Incredible India

Por Vladimiro Miranda – Diretor Associado do INESC TEC, Relações Internacionais

Há várias formas de estar no mundo, mas destacaremos duas, por contraste: a paroquial e a universal. O INESC TEC reconheceu-se na segunda via, nos momentos em que deixou de ser apenas Porto e em que se estendeu para o Brasil – assumiu a condição de organização com âncoras de interesse fora do teu território original. Aceita os riscos, pugna pelos benefícios.

Em fevereiro de 2020, foram trocados em Goa, Índia, os termos de vários acordos de cooperação do INESC TEC com diversas entidades desse país, em cerimónia presidida pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e pelo Chefe do Executivo de Goa Pramod Sawant. A importância deste evento é transcendental.

A decisão de abordar a Índia de forma metódica foi tomada há três anos, tomando como base a fecunda experiência do INESC P&D Brasil. Em negativo, a inexistência, na Índia, de imagem de Portugal e muito menos como país tecnológico; em positivo, um espantoso potencial de oportunidades. Ignorar a Índia, um quinto da humanidade, parecia impensável. A estratégia foi então delineada, em dois passos: estabelecer relacionamento com as mais prestigiadas escolas de engenharia da Índia, e procurar uma base de alianças em Goa, território onde se presumiu ser mais fácil de assumir uma identidade própria e atrativa.

Objetivos: acelerar o progresso científico português, através de uma aliança estruturada com os melhores parceiros académicos indianos, incluindo I&D e intercâmbio de recursos humanos; e criar uma nova base, em consórcio com parceiros locais, para explorar o potencial do modelo de gestão do INESC TEC, na inovação e transferência de tecnologia e na criação de valor social e económico – na Índia, mas com comparticipação portuguesa.

Desde então, sucessivos passos têm criado uma nova realidade: estão formalizados acordos de cooperação com as duas escolas de engenharia mais prestigiadas (nºs 1 e 2 do ranking do Governo da Índia) – o IIT Madras (Indian Institute of Technology Madras) e o IIT Delhi (Indian Institute of Technology Delhi); e foi constituída uma aliança em Goa, através de uma iniciativa designada CEMENT – Cooperation for Excellence in Marine Exploration and Navigation Technologies, juntando institutos de I&D e empresas de base local ao INESC TEC de Portugal.

A iniciativa CEMENT, em Goa, envolve inicialmente, para além do INESC TEC, as seguintes organizações:

  • CSIR-NIO – National Institute of Technology (Ministério da Ciência)
  • NCPOR – National Centre for Polar and Ocean Research (Ministério das Ciências da Terra)
  • IIT Goa – Indian Institute of Technology Goa (Ministério do Desenvolvimento dos Recursos Humanos)
  • TERI – The Energy and Resources Institute (privado sem fins lucrativos)
  • GSL – Goa Shipyard Ltd (Ministério da Defesa, empresa pública)

O foco é a constituição em Goa de um polo de excelência em tecnologias para a exploração dos oceanos e navegação. Contribuem especialmente para esta construção todas as competências do INESC TEC envolvidas na sua iniciativa TEC4Sea e, ainda, as demais associadas à indústria, energia e computação.

Para o NIO e o NCPOR, embora com agendas distintas, as tecnologias robóticas, de sensores e comunicações oceânicas do INESC TEC são de muito interesse para potenciar as respetivas atividades, na área oceanográfica e na exploração da Antártida. O IIT Goa é uma instituição emergente e muito jovem, e a sua capacitação laboratorial e em recursos humanos será alavancada por uma ação concertada com o INESC TEC. O TERI tem um perfil análogo ao INESC TEC e o potencial de complementaridade é gigantesco, no casamento das biologias com as tecnologias da informação e da energia. Finalmente, a GSL tem demandas específicas no incremento da eficiência da construção naval industrial e na robótica marinha para a Defesa, bem como visões de aliança para agir em conjunto em mercados terceiros, na África e Brasil.

Este potencial foi bem inventariado durante o BEST – Blue Economy, Science and Technology workshop, em setembro de 2019, onde participaram os aliados no CEMENT e que originou 22 ideias de projetos conjuntos, com identificação de tema, cientistas responsáveis, objetivos e possíveis fontes de financiamento.

Por outro lado, a aliança com o IIT Madras aprofundou-se. Após a realização de um workshop conjunto em Chennai, designado MEET – Marine Exploration and Energy Technologies, que resultou na identificação de 16 ideias de projetos conjuntos, dois novos instrumentos foram assinados: um acordo estratégico temático para as áreas do Mar e da Energia (envolvendo também a FEUP, do lado português), e um termo aditivo que abre a porta para a cooperação com o NTCPWC – National Technological Centre for Ports, Waterways and Coasts, com ligação também ao Ministério dos Transportes Marítimos.

Finalmente, a aproximação ao IIT Delhi teve um reconhecimento formal, com a assinatura do primeiro MoU, estando previsto que a relação com o INESC TEC aprofundará as vertentes de Indústria e Saúde.

O INESC TEC apresentou-se, assim, em Goa, preparado para a troca de 13 instrumentos de acordo com instituições da Índia: 7 MoUs, 1 Termo Aditivo e 5 Cartas de Intenção de adesão ao CEMENT. Por vicissitudes várias, burocráticas e de logística, 3 destes documentos não puderam ser trocados no local – mas, entretanto, fora da atenção pública, os processos foram mesmo assim completando-se. Este número de acordos é notável, e cria no INESC TEC uma responsabilidade importante: a de responder com seriedade à expectativa criada.

Importa referir que foi conquistado um precioso aliado para esta estratégia: a extraordinária Embaixadora Nandini Singla, que colocou as capacidades da Embaixada em apoio ao relacionamento em ciência e tecnologia do seu país com Portugal. Inexcedível, focada, desenvolveu inteligentes esforços que agilizaram cooperações e deram aval à credibilidade do INESC TEC junto de instituições na Índia, que nos desconheciam. Um exemplo máximo de interpretação generosa do papel e função de um Embaixador. Houvesse mais assim, e ao serviço de Portugal.

A frase Incredible India foi adotada por esse país para vender uma imagem positiva ao mundo e atrair turistas e investidores. Ela é bem achada, porque ressoa numa ideia de fusão de misticismos, aromas, artes exóticas, condimentos fortes, multidões e variedade de culturas. Soma-se, a esta impressão subjetiva, a realidade de um país de extremos, onde franjas de atraso no desenvolvimento coexistem com fortunas colossais e sabedorias antiquíssimas convivem com ciência e tecnologias avançadas: a Índia do ayurveda é também a Índia do nuclear e do espacial.

A Índia também tem Portugal na sua galáxia de culturas e contaminações, e os portugueses têm a Índia no seu imaginário. Para o bem e o mal, Portugal permaneceu 450 anos nesse subcontinente e dai resultou também uma hibridação genética robustecedora. O português que chega a Goa, sente o choque de chegar a casa sem ser em casa.

Com a estratégia delineada, observamos a materialização progressiva de uma Iniciativa para a Nova Escola de Sagres da Ciência e Tecnologia – onde, curiosamente, podemos ler outra vez INESC TEC…

Prepare-se, pois, a navegação no caminho científico para a Índia, dobrado já, que está, o Cabo da Boa Esperança.

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