O INESC TEC a trabalhar de pantufas

Um bom mote para este artigo seria “O INESC a teletrabalhar desde 2004!”. Mas, começando no presente, esta maldita pandemia do COVID-19 empurrou-nos para o regime de teletrabalho de forma repentina e forçada, quase “selvagem”. Para a maioria dos colaboradores do INESC TEC, penso que posso dizer com alguma certeza, que a adaptação não terá sido muito difícil. Na realidade as pessoas já o haviam experienciado de alguma forma, tal a disseminação das tecnologias e seu uso omnipresente. Mas será que toda esta tecnologia e literacia digital é suficiente para teletrabalhar da forma mais adequada?

Não sei exatamente quando o teletrabalho terá começado a existir, pelo menos no sentido que hoje lhe damos (embora na lei portuguesa o conceito seja vago e impreciso), mas acredito que se tenha iniciado aquando da existência dos primeiros computadores pessoais e comunicações de dados, usando os velhinhos modems sobre as linhas telefónicas analógicas, o que terá começado a levantar voo nos anos 80 e que depois terá ganho impulso no anos 90, acompanhando a grande disseminação da Internet, em particular após o aparecimento dos web browsers. Mas é na primeira década de 2000 que o teletrabalho passa a ter reconhecimento legal em Portugal, 2003, tanto quanto consegui apurar, saindo mais legislação em 2009, 2015 e 2020. Sabendo que a lei aparece normalmente para regular uma atividade que já se pratica, ele terá nascido antes. De facto, nas grandes cidades americanas, o teletrabalho era já uma prática corrente.

É em 2003 que surge a oportunidade de o INESC Porto (como então se chamava o INESC TEC) fazer uma experiência de teletrabalho, onde se pretendiam estudar várias vertentes do teletrabalho, desde a tecnológica, à laboral (é interessante dizer que, nessa altura, se faziam teses de doutoramento neste tema). O INESC Porto, através da Unidade de Sistemas de Informação e Comunicação (USIC, atual CSIG), foi um dos parceiros do projeto Pêndulo, cofinanciado pela Iniciativa Comunitária EQUAL. O grande objetivo deste projeto era promover a igualdade de oportunidades entre Homens e Mulheres através de iniciativas que visavam a conciliação da vida familiar e profissional, contribuindo para a qualidade de vida dos cidadãos trabalhadores. Uma dessas iniciativas era implementar nas organizações empregadoras novas formas de organização do trabalho, nomeadamente o teletrabalho.

Paulo Monteiro - BIP40
Paulo Monteiro – BIP40

A experiência de teletrabalho em si, no INESC Porto, desenvolveu-se durante 2004. Este projeto envolveu, além do INESC Porto, a Associação Nacional das Empresárias, Instituto do Emprego e Formação Profissional, Câmara Municipal de Valongo, Salvador Caetano, Faculdade de Psicologia, União dos Sindicatos do Porto, Sindicato dos Trabalhadores de Escritório Serviços e Comércio, Coordenação Nacional da Família, Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego.

Nessa experiência, em 2004, participaram diretamente nove colaboradores do INESC Porto, de duas Unidades (as outras não aderiram) e dos Serviços. Os serviços técnicos deram apoio, e foi comprado o primeiro servidor dedicado de VPNs. Os utilizadores usaram maioritariamente os seus equipamentos, embora tenha havido apoio na compra de webcams (coisa rara na altura). Nas comunicações foi usado o ADSL, Internet via tv-cabo, e ainda via satélite num caso em zona rural. A ferramenta de software principal era o Messenger. Foi criada uma metodologia de implementação do teletrabalho nas instituições que, por exemplo, preconizava uma fase inicial de avaliação, a escolha dos trabalhadores com o perfil adequado, e a realização de um projeto piloto com um mínimo de seis meses para a correção dos problemas que pudessem surgir, antes da sua adoção mais generalizada. Foi ainda necessário adaptar o estilo de gestão, que teve de ser mais orientada a objetivos. Também o processo de avaliação teve de ser adequado a esta modalidade de trabalho. Há leis que regulam o teletrabalho, e que têm de ser tidas em conta e respeitadas. Não menos importante, é a análise das condições de trabalho em casa do trabalhador (ter aposentos próprios, secretária, iluminação adequada, crianças em casa, …), assim como custos que advêm pelo facto de o trabalhador estar a utilizar recursos seus (eletricidade, água, …).

Do projeto Pêndulo, há que ressaltar alguns aspetos que poderão ainda ser úteis, dado que não cabe neste artigo detalhar tudo o que se aprendeu nesse projeto. Aspetos positivos: motivação extra – maior criatividade e concentração (menos desperdício de tempo); melhor qualidade de vida e maior conciliação do trabalho com a vida familiar; flexibilidade profissional – não prever dias fixos, mas conforme as necessidades de trabalho; redução de custos – menos deslocações e economia de tempo (em particular no trânsito, o que também é bom para o ambiente, e de que maneira); melhor gestão de tempo e disciplina pessoal – necessidade de planear as atividades com antecedência e coordenação com a equipa; ganhos ao nível da imagem da organização. Aspetos problemáticos: necessidade de boas condições e assistência técnica; toda a organização tem de estar envolvida – sem o envolvimento de todos os setores, o regime de teletrabalho é impraticável; necessidade de acompanhamento e apoio no início da implementação do teletrabalho; risco da perda de contacto com a equipa; resistência à mudança – a participação das chefias é indispensável, bem como o voluntariado de todos os colaboradores envolvidos; tendência para trabalhar mais horas.

Este projeto teve bastante impacto nos media, no BIP, onde se podem ainda consultar alguns artigos, nos jornais nacionais e ainda numa reportagem da RTP.

Este projeto foi ainda apresentado numa reunião de Unidades do INESC Porto (2005), mas a sua adoção não foi aceite, apesar de alguns apoios fortes que se manifestaram, honra lhes seja feita. Até à maldita pandemia, salvo raras exceções, tanto quanto sei, o teletrabalho no INESC TEC foi deixado ao critério das chefias, e realizado de forma essencialmente oficiosa e nunca muito bem assumida.

Nos dias de hoje, fomos forçados a adotar a solução do teletrabalho, salvo raras exceções, e segundo os relatos vai correndo bem, seja lá o que isso significa. As condições técnicas foram reforçadas, e nunca foram tão boas como agora, alguns processos e procedimentos foram adaptados, e toda a gente percebe a necessidade de continuar a trabalhar desta forma, e sente-se com sorte por trabalhar numa instituição que afinal estava praticamente desmaterializada, com a exceção de quem trabalha em hardware nos laboratórios e mais alguns que vivem da realidade material.

Depois disto não sei bem o que vai ficar para futuro, mas acho que mais nada vai ficar como antes porque os nossos hábitos mudaram, e as nossas mentes forçosamente mudaram também. Temos consciência agora, não sei se todos, que a pandemia é coisa de meses ou anos, pelo que vamos continuar a trabalhar mais desta forma. Ficam, no entanto, algumas questões para pensar e responder: se isto é para durar, como é relativamente às outras vertentes do teletrabalho, seja a legal, seja a material, seja os processos de avaliação, sejam a coesão das equipas? Será que o INESC TEC precisa de tantas instalações físicas? Não é uma boa altura repensar, nomeadamente a forma como nos temos organizado no trabalho?

Sinceramente, sou um adepto do teletrabalho, mas não a tempo inteiro, nem nas condições atuais, a que a situação de crise nos obrigou. Tenho saudades de ver as pessoas, de almoçar com elas, de as encontrar nos corredores e rir com piadas estúpidas de circunstância. Faz falta vermo-nos, cumprimentar-nos. Um dia esta crise vai passar, mas espero que não se perca mais uma oportunidade de repensar a adoção do teletrabalho e de o transformar num instrumento adicional de motivação das pessoas.

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