Engenharia e Tecnologia Quânticas

INESC TEC Science Bits – Episódio 3

PODCAST INESC TEC Science Bits (30:54 — 42,4 MB)

Oradores convidados:

Ariel Guerreiro, Centro de Fotónica Aplicada (CAP)

Nuno Silva, Centro de Fotónica Aplicada (CAP)

Palavras-chave: Física Quântica | Engenharia Quântica | Tecnologia Quântica | Sensores quânticos | Simulações Quânticas | Fotónica

Ariel Guerreiro (esquerda) & Nuno Silva (direita)
Ariel Guerreiro (esquerda) & Nuno Silva (direita)

Estaremos perante uma segunda revolução quântica?

O mundo encontra-se perante uma segunda revolução quântica, capaz de transfigurar diversos setores – desde as comunicações e o Big Data, passando pela medicina e a defesa. Esta visão originou grandes iniciativas de financiamento na Europa, nos Estados Unidos e na China, que se preparam para investir biliões de euros em projetos de investigação nesta área ao longo dos próximos anos. A evolução da ciência e da tecnologia quânticas é semelhante à história da eletricidade: no início do século XVIII, físicos como Volta, Ampère, Ohm e Maxwell instituíram os fundamentos da eletricidade. Mais tarde, no século XIX, figuras como Bell, Tesla, Edison e Hertz lançaram as bases para a engenharia eletrotécnica, transportando as leis da eletricidade para o mundo real através da tecnologia. Como resultado, grande parte das tecnologias eletrónicas utilizadas atualmente pelas pessoas baseia-se em princípios fundamentais estabelecidos por Faraday e pelos seus contemporâneos. Nesse sentido, o nosso objetivo passa por atingir a mesma meta com a física quântica: recorrer aos princípios e leis quânticas desenvolvidos no século XX por cientistas como Planck, Einstein, Bohr e Schrödinger – que iniciaram a chamada “primeira revolução quântica” – e aplicá-los no mundo real, inspirando, assim, a segunda revolução quântica. Como resultado, é possível observar a evolução de um novo tipo de engenharia: a Engenharia Quântica.

Engenharia e tecnologia quânticas – o que são?

A engenharia quântica é uma abordagem multidisciplinar da física quântica, dedicada à exploração da fenomenologia quântica e ao desenvolvimento de novas tecnologias, vulgarmente denominadas de tecnologias quânticas. Mas a partir de que momento é que uma tecnologia se torna quântica? Não existe um parecer generalizado na comunidade sobre a linha que separa as tecnologias quânticas e não quânticas. Aqueles que defendem abordagens mais amplas alegam que qualquer tecnologia desenvolvida através de recursos quânticos deve ser considerada quântica. De acordo com essa definição, as tecnologias quânticas já existem há algum tempo, e.g. os avanços tecnológicos alcançados através dos transístores e lasers podem ser considerados tecnologias quânticas. No entanto, definições mais restritas requerem a exploração de recursos quânticos mais avançados por parte dessas mesmas tecnologias.

Porque é que as leis quânticas são diferentes?

As diferenças entre o mundo macroscópico e microscópico não se limitam à natureza dos objetos físicos, acabando por ter um impacto na noção de estado de um sistema. Macroscopicamente, pensamos nos objetos como detentores de propriedades bem definidas: se uma partícula está aqui, não pode estar em mais nenhum lado; se um bit é zero, não pode ser um; se um gato está vivo, não pode estar morto. No entanto, no mundo quântico, uma partícula pode estar em diferentes lugares ao mesmo tempo. Um bit pode traduzir-se na sobreposição de zero e um; e um gato pode estar vivo e morto ao mesmo tempo (gato de Schrödinger). Esta característica constitui o princípio de sobreposição da física quântica, utilizada na implementação de qubits, o análogo quântico do bit utilizado em computadores quânticos para armazenar e tratar informações. Em sistemas limitados, como os átomos, os estados eletrónicos quânticos apresentam um espectro discreto de níveis de energia. Tal poderá explicar a resposta espetroscópica da matéria atómica à luz, e fornecer os elementos quânticos necessários para produzir lasers.

Porquê a luz?

De um modo geral, o comportamento quântico da matéria só é detetável em sistemas com tamanhos semelhantes aos de um átomo. Por outro lado, os diferentes elementos microscópicos (que, usualmente, se comportam de forma incoerente entre si) acabam por constituir sistemas macroscópicos; e embora os efeitos quânticos ditem o funcionamento elementar da matéria, estes acabam por ser encobertos por outros fenómenos. Nesse sentido, se o nosso objetivo passa por desenvolver tecnologias quânticas, torna-se essencial manipular e medir o comportamento de sistemas em escalas muito pequenas, ou mesmo desenvolver sistemas nos quais os vários elementos interajam de forma coerente e cooperante, de forma a podermos registar o seu comportamento quântico numa escala macroscópica. A luz é uma ferramenta essencial para ambas as abordagens, pois é algo que podemos produzir e manipular numa escala macroscópica. Por um lado, é um objeto físico com propriedades quânticas intrínsecas e uma ampla gama de aplicações. Por outro lado, a luz pode ser usada para controlar interações específicas entre múltiplos átomos, para que manifestem, coletivamente, efeitos quânticos na escala macroscópica.

Centro de Fotótica Aplicada (CAP): o que fazemos?

O desenvolvimento de tecnologias e engenharia quânticas no CAP teve início há alguns anos, e foca-se principalmente na complementaridade entre diferentes áreas de investigação – cada uma dedicada à exploração de distintas propriedades fundamentais da luz em diferentes aplicações. Estamos a referir-nos a sensores que recorrem às propriedades de onda da luz, a métodos de produção de ótica integrada e microfluídica baseados em processos óticos não lineares, a pinças e armadilhas óticas que recorrem a forças mecânicas produzidas pela luz em pequenos objetos, etc. Nesse sentido, existe uma correlação entre os diferentes graus de liberdade de luz e as diferentes aplicações desenvolvidas. Atualmente, pretendemos capitalizar o conhecimento experimental e tecnológico em fotónica aplicada no CAP, de forma a explorar o potencial das propriedades quânticas da luz e da matéria e desenvolver novas tecnologias. Para tal, desenvolvemos um plano dedicado à exploração de sistemas com graus cada vez mais complexos e completos de fenomenologia quântica envolvendo a luz, partindo de uma perspetiva semi-clássica que combina elementos quânticos e não quânticos, e evoluindo para uma abordagem totalmente quântica.

Sensores quânticos: porquê e como?

Espera-se que os sensores quânticos se traduzam no primeiro grande sucesso comercial em termos de tecnologias quânticas, pois estes beneficiam da sensibilidade dos estados quânticos em relação ao meio ambiente. Este recurso é, na verdade, o principal desafio na construção de grandes computadores quânticos, mas no que diz respeito aos sensores, acaba por ser um elemento facilitador. O atual mercado de sensores quânticos já ultrapassa os cem milhões de euros e deve aumentar mais de 10% até ano até 2024. Exemplos destas tecnologias variam de relógios atómicos e sensores magnéticos, a sensores quânticos fotónicos e sensores de gravidade, podendo ser aplicados em diversos setores: militar e defesa, automóvel, saúde, agricultura, extração de petróleo e gás, entre outros.

O projeto GreenNanoSensing foi desenvolvido nesse sentido, e o seu grande objetivo passa pelo desenvolvimento e aplicação de metamateriais funcionais óticos em tecnologias relacionadas com fontes de energia renováveis (deteção de hidrogénio, medição de campos eletromagnéticos, etc.). A título de exemplo, a equipa do projeto desenvolveu um material que passa de transparente a opaco na presença de pequenas concentrações de hidrogénio. Além disso, também projetamos novos sensores de fibra ótica que incorporam nanoestruturas metálicas que acedem diretamente a propriedades quânticas dos plasmões (o quantum de excitação da densidade de carga livre em meios condutores). Portanto, é possível desenvolver sistemas óticos que funcionem como átomos artificiais com propriedades eletrónicas e óticas personalizadas.

Simulações quânticas: porquê e como?

Até agora, abordámos as grandes diferenças resultantes da aplicação de leis quânticas em tudo aquilo que observamos no mundo macroscópico. Tendo em conta que, hoje em dia, conseguimos estudar a matemática por trás dessa aplicação (a mecânica quântica), somos capazes de criar novas tecnologias. Por exemplo, podemos pensar em várias formas de explorar leis quânticas para projetar novos recursos eletrónicos ou óticos, com base nessas propriedades a nível microscópico. Aqui, o principal desafio é tentar simular esses mesmos recursos, pois é necessário determinar o comportamento de um número impeditivo de graus de liberdade (i.e. equações) – algo impossível, mesmo com recurso aos melhores supercomputadores que temos disponíveis. Nos anos 60, Feynman sugeriu uma maneira de contornar esse problema: através do desenvolvimento de um sistema físico que seguisse as mesmas leis físicas que se pretendem simular – um sistema análogo, por assim dizer -, esse mesmo sistema seria capaz de agir exatamente como um “computador quântico analógico”. Este “computador quântico de primeira geração” é atualmente denominado simulador quântico ou simulador de sistemas quânticos. A grande vantagem deste tipo de simuladores é a sua escala macroscópica, que permite o seu controlo em contexto laboratorial – apesar de o sistema que se está a tentar simular ser inacessível. Portanto, o grande desafio nos dias de hoje é encontrar sistemas análogos com os quais possamos trabalhar, e que funcionem como plataformas versáteis de simulação quântica (através das quais podemos simular um sistema quântico). Mais uma vez, a luz pode assumir um papel fundamental neste tipo de trabalho.

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