Portugal produtor de recursos humanos qualificados em tecnologia: até quando?

A crise global de 2008 mergulhou o país num aperto económico-financeiro de enorme dimensão, promovendo um nível nunca antes visto de emigração de jovens altamente qualificados que não encontravam em Portugal oportunidades para construir as carreiras profissionais com que tinham sonhado. Os países do centro e norte da Europa, sobretudo os que sentiram menos a crise e os que dela beneficiaram, abriram portas a este fluxo de talento, sobretudo nas áreas tecnológicas nas quais estavam deficitários de recursos humanos.

No pós-crise, temos assistido a uma alteração importante: este fluxo foi interrompido pela criação de emprego qualificado em Portugal, não só através da retoma económica alavancada pelas empresas exportadoras – o peso das exportações no PIB passou de 27% em 2009 para 47% em 2018 – mas também pela instalação em Portugal de centros de desenvolvimento, engenharia e investigação de tecnológicas europeias. Para além das operações da Bosch ou Siemens, só no grande Porto, investiram, entre outras, Euronext, Natixis, Vestas, Altran, BMW e Continental, criando muitos milhares de postos de trabalho diretos altamente qualificados e promovendo a reabilitação de muitos milhares de m2 de espaço para escritórios.

Este sucesso teve como consequência a atual carência de recursos humanos, em especial em diversas áreas de engenharia, tornando difícil o recrutamento de jovens qualificados, quer pelas start-ups e PMEs portuguesas, quer pelos investidores estrangeiros, quer ainda pelas universidades e laboratórios de investigação. É prudente antever que, a manter-se a tendência atual, o problema se agrave, podendo mesmo vir a desaparecer um dos principais elementos da atratividade do país para o investimento tecnológico qualificado.

Porque para resolver um problema é crucial compreendê-lo bem, é importante, antes de mais, perceber como aconteceu o que não aconteceu por acaso. Há mais de duas décadas, no primeiro governo de António Guterres, o país teve o seu primeiro Ministro da Ciência, José Mariano Gago. Ao longo do tempo, depois também com o Ensino Superior e em vários governos, Mariano Gago conseguiu ganhar para a ciência um espaço antes inexistente, criando o embrião do que é hoje o sistema científico e tecnológico nacional e catalisando uma mudança, certamente lenta, nas universidades e politécnicos.

A atual geração de jovens talentos em engenharia e tecnologia não emergiu assim por caso. Nasceu deste ambiente fértil semeado nos anos 90 para emergir nas décadas seguintes. À formação sólida em muitas das nossas universidades e politécnicos, acresce o mundo que lhes abre o Erasmus, os estágios em empresas, a participação em projetos de investigação e inovação e até mesmo a passagem por start-ups académicas. Do INESC TEC têm saído anualmente para carreiras de sucesso, em Portugal e no estrangeiro, cerca de 250 jovens qualificados com pelo menos um ano de trabalho em projetos de investigação científica ou inovação empresarial, nacionais ou internacionais, dos quais entre 30 e 40 com o doutoramento. O valor das suas competências para o país e para as empresas é enorme, mas não menos importante é, para muitos desses jovens, poderem escolher ficar no seu país para construir uma carreira, não sendo empurrados para uma emigração que não desejam.

Fica a questão difícil: como assegurar que este pipe-line de talento não seca, que a procura continua a ser satisfeita, para que isso ajude o país na trajetória de melhoria da competitividade que é crucial para a sustentabilidade do seu desenvolvimento. De acordo com a Pordata, nos anos da crise e da saída da crise (2009-2018), aumentou em 24% o número de jovens que anualmente completaram mestrados integrados e em 68% o número dos que completaram o doutoramento, certamente em resultado das políticas já referidas e ainda do aumento da importância que os jovens e as suas famílias passaram a atribuir à formação superior. Os números absolutos, que até não comparam nada mal com os dos países da OCDE, abrem agora a porta a apostas ainda mais corajosas e “fora-da-caixa” num país que, sem dimensão de mercado interno ou recursos naturais excecionais, não tem alternativa senão apostar ainda mais na qualificação e no conhecimento como armas para se desenvolver e competir internacionalmente.

 

José Manuel Mendonça, Presidente do Conselho de Administração

 

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