Jorge Couto, o “inconformado” que cuida do INESC “na sombra”

O que começou por ser um trabalho para “consertar fechaduras” levou Jorge Couto a gerir as infraestruturas nacionais do INESC. Atualmente lidera o Serviço de Gestão de Infraestruturas do INESC TEC e coordena um grupo que, nos bastidores, garante que a máquina opere sem sobressaltos. Com mais de 20 anos de casa, cruzou-se com centenas de pessoas e aprendeu “com todos”: “Não me irei embora do INESC sem dizer muito obrigado”

Jorge Couto lembra-se de quando “a preocupação por fazer as coisas bem” começou a ganhar espaço em si. Aconteceu aos 16 anos, quando conseguiu o primeiro emprego numa firma de prontos-socorros: um ‘puto’ no meio de “gente graúda”, começa como ajudante de um camionista “old school”: olhos na estrada e poucas palavras. Mas às vezes, por entre as “gáspeas” que lhe caíam em cima por se descuidar com o camião ou por se atrasar a limpar os garfos da oficina, ouvia também palavras que ecoaram: “O trabalho não é para ser feito quando o patrão está a ver; fazes o que tens a fazer, não precisas de andar a dizer a ninguém” – ou seja, se os garfos da oficina estavam limpos, é porque alguém os limpou, e o “reconhecimento” chegaria a seu tempo. Com Jorge Couto tem sido sempre assim. 50 anos volvidos desses tempos, integra um grupo de pessoas que, no INESC TEC, trabalha “na sombra”, nos bastidores, para garantir que a “máquina” está bem tratada e pronta para o que aparecer.

E é mais fácil cuidar quando já há poucos segredos. Jorge Couto, que começou no INESC em 1987 para “tratar de umas fechaduras” na sequência de uma requisição aos CTT, já leva 22 anos de casa. Acompanhou a história toda: viu de perto a expansão do Instituto a norte na década de 80, foi responsável pelas infraestruturas a nível nacional – e pelos polos de Lisboa, Porto, Aveiro, e Coimbra – e, mais tarde, regressa para liderar o Serviço de Gestão de Infraestruturas do já INESC TEC.

 

Com 66 anos, Jorge Couto define-se como um “inconformado” e um “tipo feliz”. Na juventude, um passado de escutismo e sacristia serviram de base para uma percurso sempre em contacto com os outros. Entende que a sua vida foi pautada por “passagens e lições” que, como a que ouviu há 50 anos, absorveu e aplicou. “São essas memórias que, muitas vezes, mesmo no meu dia a dia no INESC TEC, saltam e acabam mesmo por guiar-me nas minhas ações”.

Das fechaduras à chave de todas as portas

Quando chega ao INESC, no edifício no Largo de Mompilher, começa pelos biscates, passa pela limpeza e segurança, e, mais tarde, assume a gestão de todos os edifícios, agora já no Campus da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). “Conheço este edifício [o A] de trás para a frente, mas existem aqui uns ‘buracos’ engraçados: estive na construção dele e isto é um autêntico bunker. Mas passo pouco tempo no escritório, gosto de estar no terreno e ver o que se passa. Pode-se dizer que não sou aquilo a que se costuma chamar de ‘rato de gabinete’”, explica,

 

Os dias de estrada já lá vão. Ficaram no tempo em que lhe chegavam as faturas que mostravam o INESC a gastar 5000 contos em comunicações por mês. A gestão das infraestruturas de todo o país, entre 1997 e 2000, obriga-o a embarcar numa vida de estrada e a dividir o tempo entre Porto e Lisboa. Passa a conhecer o ecossistema do INESC como poucos. Recorda tempos de austeridade e a necessidade de fazer valer o engenho para ultrapassar dificuldades: “Na altura, o diretor das Infraestruturas, o engenheiro Figueiredo, um homem da PT, pediu-me para reduzir em 20% o orçamento das Infraestruturas. Havia que manter as portas do INESC abertas, com comunicações ativas, eletricidade, água, luz e produtos de higiene. Cheguei ao cúmulo de andar a medir papel higiénico na garagem, comprava duas marcas, estendia o rolo para ver qual compensava mais”.

Agora apaga outros fogos. Jorge Couto lidera e delega funções no serviço que gere e não há dias iguais naquele gabinete do rés-do-chão do INESC TEC. E quem diz dias, diz noites: o alarme do INESC TEC, quando toca, também toca no seu telemóvel. Possíveis incêndios? Jovens presos no edifício para lá da meia noite? É muitas vezes Jorge Couto o primeiro a chegar ao local. “Já tive de passar aqui duas noites inteiras, chegar às 02h00, sair às 07h00 e só ter tempo de ir a casa tomar o pequeno almoço para regressar de novo”. Já sabia que ia ser assim, “a doer”, quando regressa ao INESC TEC em 2016.

O “Agostini” cá do sítio

Retorna a tempo inteiro após 18 anos nos CTT, entre 2000 e 2018. Quando o INESC bateu à porta não hesitou: “O INESC é – e sempre será – a minha segunda casa”. Por isso, quando recebe um telefonema do Professor Mário Jorge Leitão com um “desafio”, não consegue dizer não. “Pensou que já estava na reforma e ia-me lançar um desafio. Eu disse logo: ‘Professor, ainda não estou, mas estou cá para isso’”. O “desafio” passava por tomar conta do serviço.

Começa em regime pós laboral. Foram dias longos: das nove às cinco o trabalho nos CTT e depois três horas no Instituto, até às 20h00. Contou com uma importante aliada para cumprir horários: “qual Agostini” gaiense, pegava na 125 – as duas rodas estão presentes desde os 16 anos e da primeira mota, a Saches v5 –  e abria caminho pelas estradas portuenses, “de gás”. Fez estas “piscinas” um par de anos. Mas o trabalho de manutenção “foi ficando mais pesado”. Era tempo de tomar uma decisão e decidir o futuro.

 

O trabalho que sai da sombra

“Em 2018 nos Correios fala-se na possibilidade de despachar pessoal. Comecei a questionar no INESC TEC. A resposta que me deram: “Jorge, ontem era tarde, mas você é que sabe”. “Despedi-me dos Correios aos 60 para vir para o INESC TEC”, resume. “Foi uma altura complicada. Mas, ao mesmo tempo, foi uma aventura bonita”.

Corrige: ainda é. Olha para 2016 como o ano em que se começa a olhar para os edifícios “com outros olhos”, com o foco virado para a manutenção preventiva. E depois há trabalho que deixa a “sombra” para ser apreciado por todos. Exemplos: a marmitaria – que “deixou de ser uma sala de comida” –, o logradouro do edifício B, agora um espaço para juntar a comunidade, os compartimentos para reuniões que surgiram nos pisos para reuniões. “Isto não é trabalho meu e não é só trabalho do serviço, é do INESC TEC”.

 

 

Mas é trabalho que tem também o cunho de alguém “inconformado” e “atento”, que não esquece que todos os dias há um esforço conjunto que acontece em segundo plano. É trabalho impercetível mas constante: “Existe aqui um grupo de pessoas que trabalha para que as coisas se processem e estejam à altura da exigência da comunidade – que é exigente (e ainda bem)”.

Jorge continua: “O que nos guia todos os dias é dar todas as condições para que toda a gente tenha o conforto necessário para fazer o seu trabalho de forma confortável durante todo o dia. Zelamos por isso, tentamos que, aqui e ali com algum engenho, as pessoas nem tenham de dar pelo nosso trabalho. Estamos atentos a muitas coisas, desde a luz à temperatura que o colaborador do INESC TEC encontra quando entra de manhã. São medidas que tomámos com tempo, porque sabemos que qualquer mudança cria mazelas, se for brusca.”, sustenta.

Com a atividade do INESC TEC a crescer, também a equipa sob a alçada de Jorge Couto foi alargando. Passa menos tempo no terreno e mais tempo a delegar. Apoia-se na bagagem que carrega desde os 16 anos e num desígnio: “aprender com todas as pessoas”. “Absorver e aplicar” é o jogo que melhor conhece: acompanha-o há 50 anos, desde o primeiro dia de trabalho, e estava lá no contacto diário com os administradores, nos tempos em que entrou para “consertar fechaduras”, nas brincadeiras da malta do FundoTech no Largo de Mompilher (no edifício ocupado pelo INESC Porto entre 1987 e 2000) – “perdia-se ali uma temporada” em brincadeiras, recorda – e agora nos dias de INESC TEC.

Quantos mais virão? Jorge Couto ainda não sabe. Sente que andou estes anos todos a “calcorrear terreno fértil” e o caminho levou-o, com naturalidade, ao INESC. Quando já não o encontramos na secretária – ou nos corredores –, há uma certeza: saiu com a bagagem ainda mais cheia. “Houve pessoas que foram fundamentais no meu percurso, mas sinto que, do administrador ao bolseiro, aprendi com todas as pessoas com quem me cruzei”, explica. E leva também “o obrigado, o desculpa, o agradecimento, a gratidão, a humildade”. Faz o balanço com um sorriso largo: “Considero que tive uma vida muito rica, com passagens espetaculares, com muitas coisas boas”. Sinto-me bem com aquilo que faço, gosto muito de fazer aquilo que faço, gosto de estar aqui. Qualquer dia já não me têm aqui, mas acho que mereço descansar um bocado. Não me irei embora do INESC sem dizer muito obrigado”.

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