O projeto XFLEX HYDRO desenvolveu soluções tecnológicas para dar mais flexibilidade ao sistema energético europeu. Os resultados apontam para centrais hidrelétricas mais eficientes e flexíveis para ajudar a alcançar a transição energética. O projeto, que contou com o contributo do INESC TEC, testou as tecnologias em três centrais portuguesas.
Dar passos seguros rumo à descarbonização do setor energético passa por assegurar que o peso crescente energias renováveis na rede elétrica não causa disrupções e que o sistema funciona de forma harmoniosa. No fundo, é essencial garantir que a rede, menos flexível graças ao menor peso das não renováveis na “balança”, opere sem interrupções – e que, quando ligamos o interruptor em casa solicitando mais energia à rede, ela nos responda ao pedido.
E é aqui que a energia hidroelétrica pode ser um aliado importante: a produção de eletricidade nas barragens com bombagem é utilizada há décadas para apoiar a gestão do sistema elétrico. Flexível, renovável e com baixas emissões de carbono, oferece algo de que a rede gosta: previsibilidade, eficiência e elevada potência instalada. Mas e se fosse possível melhorar o desempenho das centrais e dar à rede mais flexibilidade? Foi isso que o projeto europeu XFLEX HYDRO tentou fazer ao introduzir funcionalidades inovadoras em centrais europeias. O INESC TEC foi um dos 19 parceiros do consórcio.
Ao fim de quatro anos, há boas notícias. As atualizações de hardware e software efetuadas em sete centrais hidroelétricas europeias – três delas em Portugal – permitiram reduzir as emissões indiretas de CO2, aumentar a produção de energia renovável e, ao mesmo tempo, prolongar a vida útil dos equipamentos. “Para uma modernização bem-sucedida, é crucial ter um conhecimento abrangente dos limites e dinâmicas de funcionamento essenciais e otimizar a manutenção preditiva para explorar ao máximo a flexibilidade da máquina, garantindo a sua fiabilidade”, explica Carlos Moreira, investigador do INESC TEC.
Em Portugal, as centrais hidroelétricas de Venda Nova III, Alqueva, Alto Lindoso e Caniçada testaram novos sistemas tecnológicas de base digital associados ao equipamento eletromecânico já existente. Centrais como estas podem ser quase “guardiãs da rede”: bombeiam a água de um reservatório inferior para um reservatório superior quando existe excesso de capacidade de produção de eletricidade em períodos de baixo consumo; e essa água, quase como uma bateria, está pronta para ser usada mais tarde, em horas de maior consumo. O trabalho desenvolvido pelo projeto pode ajudar nesta equação, já que os grupos turbina-bomba de velocidade variável podem otimizar este processo de armazenamento.
Resultados podem verter para outras centrais
O XFLEX HYDRO conseguiu “atacar” duas frentes: por um lado, flexibilizou e melhorou a capacidade de resposta em tempo real das centrais hidroelétricas às variações da rede; por outro, otimizou equipamento para evitar o desgaste rápido do equipamento. É que ao introduzir um curto-circuito hidráulico, que permite alargar o alcance operacional das plataformas e usar turbina e bomba em simultâneo, está também a criar pressão sobre a estrutura. Para mitigar este impacto, o projeto desenvolveu soluções de modelação digital e simulação e estudou como a central deve operar para reduzir as necessidades de manutenção e o tempo de paragem das instalações. Isto permite aumentar simultaneamente a eficiência e ajudar a minimizar tensões no equipamento, agora a operar de forma mais flexível.
Atentemos nos resultados em Portugal: na central de Frades 2, a implantação da tecnologia de velocidade variável combinada com o curto-circuito hidráulico acrescentou 70% de capacidade de regulação durante a bombagem e 17% durante a produção. No Alqueva, a gestão otimizada dos danos permitiu melhorar a disponibilidade da central em 1% e aumentar até 10% os intervalos de manutenção. Na Barragem do Alto Lindoso, “um conjunto de simulações numéricas avançadas demonstrou a viabilidade” da flexibilização do funcionamento.
O XFLEX HYDRO quis contribuir para um sistema de energia de baixo carbono, para ajudar a cumprir as metas propostas para produção de energia renovável: 32% até 2030, no caso da Europa. As tecnologias hídricas demonstradas são representativas do portfólio hídrico europeu, pelo que os desenvolvimentos poderão ser replicados para, praticamente, todos os tipos de centrais hidroelétricas na Europa.
Em 2022, a UE produziu 2 641 TWh (terawatt-hora) de eletricidade e quase 40 % provieram de fontes renováveis. E apesar de, por exemplo, em 2022, a geração de energia hidroelétrica ter decaído devido a períodos de seca extrema, continua a representar mais de 11% da capacidade total de eletricidade instalada na UE. Em Portugal, no ano passado, a produção hídrica com bombagem bate recordes nas barragens portuguesas.
O projeto que agora acaba foi formalmente apresentado pela Comissão Europeia na Conferência da ONU sobre as Alterações Climáticas (COP 25), em dezembro de 2018 e contou com um financiamento de 18 milhões de euros. Para além de Carlos Moreira, os investigadores do INESC TEC Helena Vasconcelos, Manuel Castro, Luís Guimarães, Armando Leitão e Flávia Barbosa estiveram envolvidos no XFLEX HYDRO.
O investigador mencionado na notícia tem vínculo ao INESC TEC e à UP-FEUP.