Os ventos no Oceano poderão ajudar à descarbonização?

Nos passados dias 8 e 15 de junho, celebrou-se o Dia dos Mundial dos Oceanos e o Dia Mundial do Vento, respetivamente. Duas efemérides que se relacionam com a energia eólica marítima, mais conhecida como o “eólico offshore. O conceito, apesar de não ser novo, não deixa de ter um caráter inovador, consistindo no aproveitamento de energia eólica para a conversão em energia elétrica através de aerogeradores implantados no mar. E porquê implantar aerogeradores no mar? Porque as melhores localizações em terra já se encontram ocupadas com os parques eólicos que têm vindo a ser instalados nas últimas duas décadas. Em simultâneo, verifica-se a necessidade de um grande incremento de fontes renováveis, devido à eletrificação da economia.  

Mas o consumo elétrico não ia reduzir? 

Muitos defendiam que os consumos elétricos viriam a reduzir pelo aumento da eficiência quer da iluminação, com o aparecimento da tecnologia LED (Light-emitting Diode), quer pelo incremento da eficiência energética de diversos eletrodomésticos. Estavam, parcialmente, enganados. De facto, hoje, fazemos uma utilização mais eficiente da energia elétrica. Todavia, não podemos deixar de considerar o aumento do consumo pelo incremento da mobilidade elétrica, pela adoção de bombas de calor para arrefecimento e aquecimento (substituindo outras tecnologias, como o gás e gasóleo, por exemplo) e a descarbonização da indústria, que introduz a eletricidade como vetor energético para diferentes fins. 

Mas será tudo elétrico? 

Relativamente à descarbonização da indústria, é também necessário efetuar a troca de combustíveis não renováveis (como o gás, fuel), por gases renováveis de elevado poder calorífico. Nesta vertente, o hidrogénio poderá ter um papel fulcral com grande impacto em processos industriais que requerem altas temperaturas. No entanto, para a correta descarbonização, o hidrogénio terá de ser obtido através de processos associados ao consumo de energia, que deverá ser elétrica e de origem renovável.  

Como garantir energia renovável para a descarbonização? 

A garantia de energia renovável para a descarbonização da economia é um processo de extrema complexidade, que requer investimentos em parques de energias renováveis, em ativos de redes de transmissão e distribuição, em exploração de novos paradigmas para a operação dos sistemas elétricos, investimento em armazenamento de energia e, por fim, na alteração dos consumos de forma a utilizar-se energia elétrica nos diferentes processos. Portugal e a Europa têm vindo a investir nestas diferentes áreas há pelo menos duas décadas, com resultados bastante positivos no que toca à integração de energias renováveis. Contudo, para garantir os novos desafios há necessidade de mais redes, mais armazenamento de energia e mais renováveis. 

Eólica offshore – um mar de oportunidades 

A energia eólica offshore tem demonstrado ser bastante consistente no que concerne a produção estável de energia elétrica. Os casos de uso mais próximos e com bons resultados, encontram-se na costa de Inglaterra, Escócia, Alemanha e Países Baixos. Novos desafios aparecem com a utilização do offshore. Primeiro, a fixação das estruturas: nas localizações mencionadas a profundidade é relativamente reduzida, permitindo a fixação das torres eólicas através de pilares. No caso português, a costa é bastante escarpada, com elevada profundidade a pouca distância da costa. A solução técnica para a implantação dos aerogeradores é a chamada eólica flutuante, onde existe um flutuador em aço ou betão, que sustenta o aerogerador e encontra-se ancorado e amarrado ao fundo do oceano. Em Portugal foi demonstrado com sucesso a adoção dessa tecnologia no projeto WindFloat, onde um aerogerador esteve instalado e interconectado à subestação da Companhia das Energias Oceânicas, na Aguçadoura. Mais recentemente, temos o exemplo do parque eólico – WindFloat Atlântico, atualmente em operação comercial com três aerogeradores na costa de Viana do Castelo. 

Um segundo desafio é a interligação elétrica com as redes em terra. Para justificar estes investimentos, é necessária escala na ordem das centenas, até ao milhar de megawatt (MW) de potência instalada. Como efetuar a interligação desses parques com as redes em terra? Quantos, cabos, qual a tecnologia de interligação (Corrente Alternada ou Corrente Contínua), quantos pontos de interligação com as redes em terra? São questões que têm vindo a ser levantadas e investigadas por diversos grupos, entre os quais, o INESC TEC, no projeto EU-SCORES, com investigadores na área dos Sistemas de Energia. 

Um terceiro desafio consiste na capacidade de receção por parte das redes em terra para os níveis de potência expectáveis. Neste tópico, torna-se também necessário estudar eventuais reforços de rede ou até explorar conceitos de redes emalhadas no mar, para garantir a flexibilidade de entrega de potência em diferentes zonas geográficas. 

É também importante efetuar o uso eficiente do mar, aproveitando a infraestrutura elétrica e a área de implantação marítima para interligar outras tecnologias de geração, como, por exemplo, a energia das ondas ou o solar flutuante marítimo, obtidas da hibridização de parques eólicos offshore, aumentando a entrega de mais energia renovável e com menos variabilidade. 

Não menos importante, há também o desafio da monitorização ambiental e de ativos, para verificar os impactos dos parques e avaliar as necessidades de manutenção. Neste tópico o INESC TEC tem também dado contributos importantes aliando a modelização dos ativos, efetuada por investigadores na área da Engenharia e Gestão Industrial, com a monitorização robótica e autónoma, desenvolvida por investigadores da área da Robótica e Sistemas Autónomos. 

Em suma, trata-se de uma tecnologia importante para o futuro sustentável que, apesar de complexa, tornar-se-á real e massificada com o apoio de atividades de I&D e potenciando a criação de indústria especializada para os diversos componentes. Portugal poderá ter um papel preponderante com a criação e redireccionamento de indústria específica e de serviços de elevado valor acrescentado, não só para os parques nacionais, mas como exportador para projetos futuros em outras geografias. 

Por Bernardo Silva, Responsável de Área

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