O projeto InterConnect levou o conceito de interoperabilidade para dentro de casa e deu a consumidores residenciais a possibilidade de contribuírem para uma rede elétrica mais resiliente. Uma ferramenta composta por um gestor de energia e por uma aplicação móvel tornou isso possível. O resultado? Mais participação, menos carga na rede em momentos de picoe “redução da intensidade do carbono produzido”.
E se fosse possível sabermos a melhor hora para levar à máquina a roupa que se acumula na bacia? Ou então a altura do dia em que a rede tem flexibilidade para carregar o carro elétrico? É possível – e o INESC TEC provou-o através de uma solução que facilita a gestão da flexibilidade energética por parte de consumidores residenciais.
A ferramenta é um dos resultados do projeto InterConnect. O INESC TEC liderou, durante quatro anos, 50 parceiros, que testaram soluções em demonstradores de larga escala em sete países diferentes e, assim, contribuíram para a resiliência da rede energética europeia. O consumo de energia em contexto doméstico é peça-chave na engrenagem e esta solução desenha uma janela para que o consumidor perceba diretamente o impacto que pode ter na rede de distribuição.
“Um dos objetivos passou por consciencializar os cidadãos das atividades existentes no mercado de flexibilidade que irão ter um impacto na sua vida e no seu consumo de energia num futuro muito próximo”, explica Vasco Campos, investigador do INESC TEC.
Programar para poupar
E isso foi conseguido. Nos quatro meses de piloto, 238 participantes, distribuídos por cinco cidades, testaram, em mãos, soluções interoperáveis. Mas como é que o projeto deu ao consumidor o poder para decidir? A ferramenta apresentada pelo INESC TEC é composta por um gestor de energia e uma aplicação móvel (app): a partir do gestor de energia, os utilizadores recebiam, na app, recomendações “de mobilização de cargas de eletrodomésticos”, ou seja, dos ciclos de lavagem, através de notificações “push” – e podiam aceitar ou rejeitá-las.
Exemplo: um consumidor agenda, durante a manhã, uma máquina de roupa para a tarde; no entanto, recebe uma notificação a dar conta de que a rede elétrica beneficiaria se a mesma lavagem for feita horas mais tarde. Se aceitar, as cargas são automaticamente mobilizadas pelo gestor de energia, “sem necessidade de intervenção do utilizador”. No fundo, o desígnio passa por programar para apoiar a resiliência da rede elétrica, sem comprometer o nível de conforto. Atualmente, Portugal está a percorrer um caminho em direção à implementação de tarifas dinâmicas para consumidores domésticos. Isso irá permitir que o utilizador “poupe dinheiro ao mesmo tempo que apoia a resiliência da rede elétrica.” “Quando esse momento chegar, a solução do INESC TEC estará validada e preparada para implementar”, explica Vasco Campos.
O INESC TEC estudou de perto esta interação com o mercado de flexibilidade – e os dados recolhidos são animadores. “Nos quatro meses em que o piloto correu, tivemos 2% de redução da carga em alturas de pico, uma redução de até 11% da intensidade do carbono produzido pelas residências no piloto, e uma participação regular em mercado (de, pelo menos, quatro vezes por mês) de 30% das residências”, assinala Vasco Campos.
A solução de gestão de energia testada continua ativa para os participantes do projeto e pode até chegar a mais casas. “A HEMS (Home Energy Management System) [o nome do gestor de energia] tem várias componentes que a tornam interessante para ser explorada para além do projeto; nomeadamente, na ligação direta com os fabricantes, na sua vertente de trocas de dados interoperável e na sua componente de otimização da flexibilidade”, sublinha o investigador.
Os consumidores ficaram a conhecer o sistema ainda antes de receberem os eletrodomésticos em casa. O piloto português, liderado pela E-REDES, percorreu várias cidades do país para workshops dedicados ao esclarecimento de dúvidas e perceber as necessidades reais de quem iria dar uso à tecnologia.
E isso é importante. É que, como adianta Vasco Campos, numa Europa “cada vez mais focada na transição energética”, há também “uma maior necessidade de criar resiliência no sistema energético europeu” – e os cidadãos também têm uma palavra a dizer. Vamos a um exemplo concreto: “se todos os cidadãos que possuem um veículo elétrico na Europa o colocassem a carregar ao mesmo tempo, a nossa rede não conseguiria dar resposta. À medida que estes veículos vão aumentando, é importante utilizarmos técnicas de flexibilidade, de modo a sermos mais eficientes na nossa produção de energia.”
O INESC TEC é o proprietário da ferramenta de gestão de energia, que está a ter um “papel importante no desenvolvimento de um novo código de conduta para a interoperabilidade de dispositivos inteligentes, nomeadamente eletrodomésticos, promovido pela comissão europeia” e tem sido utilizada pela Miele e Bosch para o desenvolvimento do código.
O projeto InterConnect teve início em outubro de 2019 e terminou em março de 2024 e colocou sistemas e utilizadores a interagir de forma transparente e sustentável, sem precisarem de estarem dependentes de um fabricante de equipamentos específico. Em Portugal, para além do piloto residencial, o demonstrador contemplava ainda um piloto comercial.