Os sistemas de refrigeração são responsáveis por uma fatia considerável do consumo energético no setor retalhista. O INESC TEC liderou o projeto europeu InterConnect e desenvolveu uma ferramenta que prevê o consumo destes sistemas de frio sob vários cenários, oferecendo uma fonte potencial de flexibilidade para o operador da rede de distribuição.
O INESC TEC desenvolveu um serviço que consegue prever o consumo energético dos sistemas de refrigeração de supermercados e sugerir alterações a esse padrão de acordo com eventuais necessidades da rede elétrica. A solução, desenvolvida no âmbito do projeto InterConnect, o maior alguma vez liderado por uma instituição portuguesa, foi testada em supermercados da retalhista MC, através da Elergone Energia.
O serviço denominado RefriFlex oferece previsões de flexibilidade para sistemas de refrigeração onde o consumo de energia aumenta ou diminui com a ativação de diferentes modos de funcionamento, numa abordagem inovadora neste contexto.
Mas como funciona esta solução? Ricardo Silva, investigador do INESC TEC, explica o ponto de partida: “A MC, em conjunto com a Schneider Electric, integrou um novo sistema em várias lojas do universo Continente que permite impor um modo de operação para câmaras e arcas de refrigeração. Este modo pode traduzir-se num maior consumo – maior produção de frio (BOOST) – ou menor consumo – menor produção de frio (ECO)”.
É aqui que entra o RefriFlex. A partir dos dados de consumo e da operação do sistema de frio recolhidos no no supermercado, o serviço RefriFlex tem a capacidade de prever o consumo da central de frio para as próximas horas (o dia seguinte, por exemplo). Com esta informação disponível – e dependendo, por exemplo, da maior ou menor disponibilidade de energia solar produzida na loja – o serviço estima a folga existente para aumentar ou diminuir consumo ativando os diferentes modos de operação (BOOST ou ECO, respetivamente).
Para Amândio Ferreira, responsável de Inovação da Elergone Energia, esta solução abre caminho para uma gestão ativa e eficiente dos consumos, acabando por verter numa “redução da rubrica da energia e da pegada carbónica.”
A solução pode mesmo ter um papel “cada vez mais crucial” na forma como as empresas adequam o seu consumo ao contexto. O responsável acrescenta que pode ajudar a “capturar oportunidades”, quer através da prestação de serviço aos operadores, quer simplesmente por via da redução de fatura de energia, já que se evita o consumo nos períodos mais caros.
Os sistemas de refrigeração – que garantem a manutenção da temperatura dentro de uma gama preestabelecida de cada unidade de refrigeração de um supermercado, desde montras a arcas de congelação – representam uma fatia considerável de toda a energia consumida no setor. O ajuste do consumo de eletricidade do sistema representa uma fonte potencial de flexibilidade, que pode ser utilizada para suportar o operador da rede de distribuição (ORD) – neste caso, a E-REDES, que participou também no projeto – que gere a maior rede de distribuição em Portugal.
“A diferença entre a previsão da baseline (consumo em operação normal) e deste novo modo de operação (BOOST ou ECO) diz-nos a flexibilidade do consumo, que se pode depois traduzir numa oferta (remunerada) a fazer ao ORD”, acrescenta Ricardo Silva.
Chegar a mais arcas?
Neste momento, o sistema ECO está a permitir reduções de consumo a rondar, em média, os 2%; o modo BOOST consegue aumentar o consumo até aos 4%. “Para enquadrar estas percentagens, temos lojas onde o sistema de frio consome em média cerca de 20kW e outras onde ultrapassa os 80kW”, refere. Ricardo Silva frisa que, “à primeira vista”, podem parecer “valores pequenos”, mas há que ter com conta os “requisitos de qualidade alimentar dos produtos nas câmaras e arcas refrigeradoras”. Esta variação está mesmo limitada a 1ºC em sistemas de frio que conservam laticínios, por exemplo.
“É importante notar que a variação instantânea de potência, aquando da aplicação do novo modo, é grande, mas estamos a falar de médias de consumo para um período de 15 minutos, ou seja, esse efeito não se sente na maior parte do intervalo de tempo. Isto é o mesmo que dizer que temos uma boa resposta em potência instantânea, mas reduzida na energia consumida”, acrescenta.
O que levanta a questão: pode este modelo “saltar” do setor do retalho para o outro contexto? E a resposta é: possivelmente. “Em termos de algoritmia, poderia ser aplicado a mais contextos”, começa por referir Ricardo Silva. No entanto, “o sistema está adaptado para sistemas de frio e a estimação de flexibilidade está muito restrita aos modos de funcionamento pré-definidos (ECO, NORMAL e BOOST)”. Para já, o sistema foi testado em 10 lojas Continente.
Mas há espaço para a tecnologia evoluir dentro do setor retalhista. Uma das possibilidades passa por complementar a flexibilidade destes sistemas com outras cargas flexíveis nos supermercados, como sistema de ar condicionado ou até de outros edifícios nas proximidades. Ao agregar essa flexibilidade numa oferta única, passa a ser possível oferecer ao ORD serviços de flexibilização de carga que podem ajudar a aumentar a resiliência da rede elétrica ao nível local.
Fortalecer resiliência da rede elétrica foi um dos desígnios do projeto InterConnect, que juntou fabricantes de equipamentos, instituições de investigação, operadores da rede de distribuição elétrica, fornecedores e consumidores para, em conjunto, facilitar uma gestão otimizada dos sistemas de energia, e cimentar o caminho rumo à interoperabilidade do sistema energético.
O INESC TEC teve um papel “fundamental” na criação de metodologias para a interoperabilidade semântica, “no desenvolvimento de algoritmos e no suporte à utilização das diferentes ferramentas produzidas no âmbito do projeto, nomeadamente na sua articulação modular e transparente”, referiu o investigador do INESC TEC e coordenador do projeto, David Rua, aquando do evento final do projeto.
O projeto demonstrou tecnologia e serviços interoperáveis em sete demonstradores em larga-escala: Bélgica, Alemanha, Países Baixos, Itália, Grécia, França e Portugal. Por cá, as soluções foram testadas em consumidores domésticos (com a E-REDES como responsável) e em edifícios de serviços/comerciais (como é o caso da Elergone Energia (MC), que testaram soluções nas lojas Continente).
O impacto das soluções testadas podem ser vistas no vídeo em baixo.
O investigador do INESC TEC mencionado na notícia têm vínculo ao INESC TEC.