No “parque de diversões” INESC TEC, Daniel já não guia “o tigre com a trela” 

Daniel Vasconcelos é responsável por levar mais longe o que “2000 pessoas brilhantes” fazem todos os dias no INESC TEC. O responsável pelo Gabinete de Transferência de Tecnologia começou como investigador, mas descobriu-se melhor gestor há oito anos. Nessa altura, começou a aprender que o que faz é um “desporto de contacto”. 

O metro quadrado vende-se caro no gabinete de Daniel Vasconcelos. As quatro paredes que dão forma à sala retangular com vista desafogada para o parque de conhecimento da Asprela, estão tingidas de papel, quadros, pioneses coloridos, e um quadro rabiscado, resultado do último brainstorming de equipa. É deste “laboratório” que se “exporta” para o mundo conhecimento made in INESC TEC. Paira no ar a sensação de estar tudo em andamento e que os preguinhos coloridos perfilados em frente ao nome de processos de transferência de tecnologia em aberto marcam um ponto de situação que pode mudar daqui por horas. 

Mas se o responsável pelo Gabinete de Transferência de Tecnologia (TTO) pudesse escolher, não subia a este gabinete no terceiro piso do instituto. É que se não há propriamente hora marcada para chocar com ideias inovadoras, elas também não esperam vez para bater à porta. Sim, “parte do trabalho dá-se aqui”, mas também na escadaria, no corredor da cantina. “Se pudesse escolher um sítio para trabalhar, era mesmo na portaria, à vista de todos, por onde todos passam”, avança Daniel, sem esconder um sorriso.  Afinal, estamos a falar de “um desporto de contacto”.  

Que desporto é este? Daniel Vasconcelos lidera uma equipa que abre caminho para o desenvolvimento e comercialização das soluções tecnológicas do INESC TEC. Todos os dias, ensaia a melhor forma de fazer a ponte entre o laboratório e o mercado. Assistiu na fila da frente à forma como um “organismo vivo de centenas de pessoas” evolui e ganha espaço como um dos motores nacionais para o posicionamento de Portugal como um player de relevo de transferência de tecnologia na Europa. 

Está há oito anos a “construir futuro” no INESC TEC. Recentemente, juntou ao leque de responsabilidades o recém criado Gabinete de Empreendedorismo e Spinoffs. Sempre pronto para aprender, expor-se e “reconhecer a própria ignorância”, encontrou um espaço para se recriar. Neste “parque de diversões”, vê diariamente “2000 pessoas fazerem coisas brilhantes”. O que significa: 2000 pessoas ao alcance de uma conversa. “Posso falar com cada uma delas e perceber o que é que se está a passar, como é que posso ajudar. No fundo, o meu papel é, a partir do que os investigadores me contam, transmitir essa informação a outros parceiros, para que depois se possa levar a ideia para o mercado.” 

Dar à perna 

E pensar que tudo se sucedeu com uma “série de acasos”: o INESC Porto a ganhar lugar na cabeça quando dá com um evento sobre empreendedorismo no corredor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto – ainda Daniel fazia mira a um futuro na investigação em bioengenharia; mais tarde, já durante o doutoramento no I3S, num novo encontro fortuito à boleia de um workshop, cruza-se com João Claro, atual presidente do Conselho de Administração do INESC TEC.  

Ao terceiro sinal percebeu que o caminho talvez passasse mesmo por aqui. “Quando era investigador, comecei a criar um novo biomaterial, que tentei proteger por patente, e as coisas correram muito mal. Isso fez com que, durante o doutoramento, fosse tirar um segundo mestrado em Economia e Gestão”. Já se começava a interessar pela transferência de tecnologia e é numa aula que ouve de um dos diretores do mestrado que o INESC TEC é a instituição “que a melhor transferência de tecnologia faz no país.” Ficou alerta.  

“Comecei a consultar oportunidades na página do INESC TEC, até que apareceu uma bolsa nesta área, e candidatei-me.” Tem o primeiro vislumbre da “máquina”. Catarina Maia – “com uma cultura muito própria, de permanente busca pela excelência” – era a responsável pelo serviço. Contagiou-o. “Encontrei um ambiente muito relaxado, mas também desafiante. Lembro-me que, quando chego, as perguntas começavam muito por: ‘o que é que sabes?’ ‘o que é que sabes de open source? O que é que sabes de software?’ Ou seja, não vou dizer que tive receio, mas senti que tinha que dar à perna.” 

Já tinha feito um bom aquecimento, até porque a corrida de obstáculos até à meta INESC TEC começa em 2011. Nos anos difíceis da crise financeira, é fruto da primeira remessa de um curso de Bioengenharia sem tempo para amadurecer. “Ninguém sabia muito bem o que fazia um bio engenheiro.” Dava a sensação que havia tudo por fazer: um ecossistema de start-ups por montar, muitos amigos do curso a sair do país, oportunidades nem vê-las. 

Até que apareceu uma na forma de um projeto de investigação que o leva ao bloco operatório de ortopedia do Hospital de São João todas as sextas-feiras. Mas o caminho não seria aquele e o clique para mudar a agulha acontece mesmo no doutoramento. “Percebi a precariedade em que nos encontrávamos quando não havia dinheiro para os reagentes. Tinha de me afastar da minha zona de conforto e aprender sobre outras disciplinas, primeiramente a parte da gestão e da economia”. 

O “esquadrão da morte” aprende a cuidar do tigre 

É já no INESC TEC que se descobre um “melhor gestor do que investigador”. Sentiu-se imediatamente no sítio certo. “Nessa fase inicial foi crítico, até por uma questão de autoconfiança, ir aprender com os melhores, tanto no CEIPI (Centro de Estudos Internacionais da Propriedade Intelectual), o EPO (European Patent Office), ou Harvard. Foi num sentido de me habilitar a falar destes temas à escala internacional, a minha perceção era que o INESC TEC seria um player relevante a curto espaço do espaço europeu.” 

Para lá do conhecimento que angariou nos anos de estudo, contou sempre com uma boa ajuda. Partilha o dia com investigadores, professores, “malta que gosta de explicar” e passar horas a debitar informação.  Foi nos primeiros tempos que ouviu a tal definição que abreviaria os anos seguintes: isto é um desporto de contacto – tinha de estar presente, de estar perto das pessoas, tinha de se expor.  

O trabalho de transferência de tecnologia é mais do que papel e Daniel foi amarrotando aos poucos a ideia de que lidera uma equipa de “burocratas”. Sente, agora, que o trabalho de proximidade gerou uma “mudança de atitude”. “Percebemos melhor agora, com o passar dos anos, que os investigadores estão muito ocupados e que se não respondem é mesmo porque não têm tempo. Parte do meu percurso até agora foi perceber como é que eu posso passar a ser um parceiro interno e não ser visto como parte de uma estrutura chata”, pronta a encontrar brechas num trabalho de anos. “Íamos à cantina, e às vezes as pessoas diziam: ‘vem aí o esquadrão da morte, cuidado’”, recorda. Foi lá pela pedagogia – talvez ajude ter sido pai entretanto, aponta. Não está a lidar com crianças; mas não serão também os cientistas uns “espíritos livres”?  

“Isto é a mesma coisa de tentar guiar um tigre com uma trela. Tu não guias um tigre. Nós podemos pôr algumas recompensas para o tigre, passar tempo com o tigre, e esperar que ele não nos salte para cima.  E é um bocado isso. Somos mais relaxados, porque percebes que as pessoas se vão aproximando de ti, e vão-te dando aquilo que precisas para tentares fazer o trabalho em prol do instituto. Eles compreendem-te e nós compreendemo-los melhor quando nos contam as ideias mais malucas que têm, os anseios, porque é que acham que determinado caminho para uma tecnologia é o melhor”, sintetiza Daniel. 

Da bata ao avental 

Muitas das avenidas que essas tecnologias poderão tomar estão expostas no gabinete. Lado a lado com as tecnologias patenteadas pelo INESC TEC, a tal avalanche de pioneses são sintoma da atividade frenética de um instituto em “evolução evidente”. As paredes espelham a construção em curso do futuro a que Daniel aludiu.  

“Ao ter que selecionar os casos a que vamos dedicar mais tempo, as tecnologias que vamos proteger ou divulgar com maior intensidade, no fundo, estamos a criar opções reais e opções que podem depois permitir ao Instituto crescer naquela direção.  Muitas destas sementes não vão brotar, mas o nosso papel é garantir que, no futuro, há sempre pontos que podemos tentar alavancar, se isso se alinhar com os interesses do INESC TEC e do investigador.” 

Às vezes, até não se importava de ter no calendário um dia “previsível”. Mas é difícil num serviço em que todas as semanas começam com a agenda em branco. “Primo pelo princípio de que os gestores têm total liberdade. Têm total autonomia e responsabilidade dentro da caixa de areia que eu lhes deixo.” Para Daniel, por vezes, basta vestir o fato de motivador: “por vezes, sinto que basta dar-lhes algum conhecimento que fui adquirindo, confiança, energia e estar disponível para o que quer que surja.” 

Seja no escritório, na “portaria”, na escadaria ou à distância. E, como no TTO não se quer conhecimento trancado, longe dos cenários onde pode fazer a diferença, é frequente saltarem ideias quando está a ler o jornal, a ouvir um podcast ou numa peça de teatro. Lá aparece a peça do puzzle que faltava – ou mudar a cor do pionés.  

“As ideias de como conectar pontos vão-me surgir quando estou a fazer outras coisas.  Deixo a coisa fluir e tomo nota num post-it, ou mando uma mensagem, ou um e-mail para mim próprio, tentamos não levar trabalho para casa, mas acho que não há volta a dar quando trabalhas em qualquer área de difusão de conhecimento”, indica.  

Por isso, quando quer mesmo desligar, amarra à cintura uma bata diferente da que usou no início da carreira e fecha-se no laboratório caseiro: a cozinha. Diz que gosta de “otimizar” receitas. “Os meus colegas não se acreditam, mas gostava mesmo muito de ter formação na área. Sinto-me muito conectado com a minha vida passada de investigador, de método”. 

O teatro, a cozinha, os passeios – que desde que seja em família, será sempre “ótimo” – têm sempre Espinho ao fundo. Não vê forma de trocar o cheiro a maresia, a vista desimpedida para o mar, e como o sol se despede da cidade costeira em cada final de tarde, e sair a ganhar.  

Ajuda ser certo que no dia seguinte fará o caminho até ao Porto. Continua a ser chamado pelo “sentido de responsabilidade muito grande”, um compromisso com o desenvolvimento social e científico do país. Agora, o plano passa por continuar todos os dias a trabalhar “o princípio da autonomia”: “ É muito importante para mim sentir que as pessoas podem continuar a fazer o caminho, mesmo que um dia eu já não esteja cá. É para aí que eu estou a tentar caminhar”.  

E eis uma certeza para o futuro: haverá dias de discórdia – e isso é normal, pontua – mas, nos corredores do INESC TEC, “as pessoas vão falar, sorrir e partilhar as suas preferências e experiências”. E dessas conversas vão também saltar mais pioneses para a parede. Depois, Daniel e a equipa encontrarão um caminho. 

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