Willow e o toque da Google na realidade da computação quântica – quanto falta até vermos um problema útil ser resolvido por uma máquina quântica?

Não é a primeira vez que a Google anuncia que tem um computador quântico capaz de resolver, em alguns minutos, um problema que nenhum computador dito convencional conseguiria resolver. Só que, desta vez, não só fez saber que, graças à utilização de um chip chamado Willow, a sua máquina quântica precisou apenas de cinco minutos para realizar um cálculo matemático que um supercomputador não conseguiria fazer em 10 septiliões de anos (para conseguirmos visualizar este número basta pensarmos num 10 seguido de 24 zeros), como conseguiu ultrapassar o “limiar de correção de erros”, mostrando que, à medida que aumenta o número de qubits, pode reduzir exponencialmente o número de erros – o que pode abrir caminho à utilização efetiva destas máquinas. Será?

“O anúncio feito pela Google é, de facto, particularmente promissor porque pela primeira vez nos dá uma indicação de que o recurso a códigos de correção é escalável para volumes elevados de qubits. Um passo muito importante na direção a máquinas quânticas efetivas e tolerantes a falhas que, de momento, são ainda uma miragem”, refere Luís Soares Barbosa, investigador no INESC TEC e docente na Universidade do Minho.

Luís Soares Barbosa, investigador no INESC TEC e docente na Universidade do Minho

Mas, vamos por partes: afinal, que descoberta é esta da Google? O que são códigos de correção? Como é que o chip Willow pode revolucionar a computação quântica e trazê-la para mais perto da realidade? Nesta edição do INESC TECWatch, contamos com o contributo dos investigadores do INESC TEC, Luís Soares Barbosa e Ana Neri, e do coordenador do grupo de investigação QLOC (Quantum and Linear Optical Computation) do INL (Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia), Ernesto Galvão, para compreendermos como é que este avanço da Google pode aproximar a Computação Quântica da – nossa – realidade.

A corrida pela supremacia quântica

A utilização de máquinas quânticas parece estar mais perto do que nunca – só ainda não se sabe quando. Certo é que, ao longo dos últimos anos, grandes tecnológicas como a Google ou a IBM, têm encetado esforços no sentido de desenvolver estes computadores: mais qubits, menos tempo para a resolução de problemas complexos, menos erro, mais estabilidade das máquinas. E, os anúncios sucedem-se – os recordes também. Em 2019, a Google anunciou que tinha alcançado a supremacia quântica, quando o seu computador quântico, o Sycamore (com 53 qubits), conseguiu, em três minutos e 20 segundos, resolver um problema que nenhum computador dito convencional conseguiria resolver. De acordo com a Google, o supercomputador mais capaz da altura, o Summit da IBM, levaria mesmo 10 mil anos para realizar a mesma operação. Em 2022, uma equipa da Academia Chinesa de Ciências, em Pequim, veio desafiar esta posição ao propor um algoritmo que, desenhado para um computador não quântico, era capaz de resolver o mesmo problema que o Sycamore resolveu. A equipa também calculou que, se fosse capaz de executar este algoritmo de forma eficiente num supercomputador, poderia resolver o problema em algumas dezenas de segundos, batendo o tempo da máquina da Google. No mesmo ano, a IBM apresentou ao mundo o Osprey – com 433 qubits era, naquela altura, o maio computador quântico de sempre.

Aliás, a IBM desenhou mesmo um roadmap para alavancar o desenvolvimento da tecnologia quântica e que traça o caminho para a criação de sistemas em larga escala e para o aparecimento de máquinas com um milhão ou mais qubits. Mas, até lá, o caminho não parece ser linear e a corrida sem fim à vista. A meta? Conseguir um computador quântico tolerante a falhas. E é aqui que entra a correção de erros quânticos.

Correção de erros quânticos: estaremos mais próximos da meta?

Enquanto um bit pode representar apenas um valor binário – 0 ou 1 – um qubit pode representar 0, 1, ou uma sobreposição de ambos. E é por isso que conseguem processar informação muito rapidamente, resolver problemas extramente complexos e decifrar criptografia (sim, esta pode vir a ser uma das áreas mais desafiadas pela computação quântica). Contudo, além de muito sensíveis a interferências externas, como a pressão ou a temperatura (os qubits têm se ser mantidos a temperaturas extremamente baixas, muito próximas do zero absoluto), os qubits também o são aos erros. Podemos pensar nestes erros como sendo uma barreira gigante na corrida pelo desenvolvimento quântico – e tendem a aumentar sempre que se aumenta o número de qubits.

Ana Neri, investigadora no INESC TEC e estudante de doutoramento na Universidade do Minho, conta-nos que, quando foi lançada, pela primeira vez, a ideia de criar um computador quântico, uma das questões levantadas prendeu-se precisamente com a fragilidade dos estados quânticos e a melhor forma de com esta lidar. “Em 1995, Shor[1] chegou à conclusão de que o problema podia ser ultrapassado com recurso a correção de erros quânticos e essa tem sido uma grande aposta no caminho para o desenvolvimento de computadores quânticos Fault Tolerant”, relembra.

Ana Neri, investigadora no INESC TEC e estudante de doutoramento na Universidade do Minho

De acordo com a investigadora, num esquema de correção de erros quânticos o objetivo é criar redundância de forma a guardar informação do estado que estamos a tentar proteger em qubits auxiliares e assim conseguir recuperar a informação original quando esta se perde. Ou seja, para codificar uma determinada quantidade de informação, aumenta-se o número de qubits, criando redundância – e essa redundância permite que os chamados qubits auxiliares monitorizem os erros. “O problema é que estes qubits auxiliares também têm erros. O processo de criar redundância e de corrigir o estado original também pode ter erros e por isso aumentar a proteção pode acabar apenas por criar mais ruído”, acrescenta a investigadora.

Agora, num artigo publicado na revista Nature, o Google Quantum AI, grupo de investigação em computação quântica do Google, veio mostrar como é que, ao aumentar o nível de proteção, o erro diminuiu de forma consistente – no fundo, a equipa conseguiu reduzir o erro “below threshold”. “O grupo demonstrou o funcionamento de códigos de correção de erros em dois processadores quânticos baseados em chips supercondutores. Os processadores são da nova família de chips, chamada Willow, com até 105 qubits, e têm melhorias na qualidade das portas lógicas implementadas[2], e uma arquitetura de conectividade adequada para a implementação de códigos de correção de erros quânticos conhecidos como códigos de superfície[3]”, explica Ernesto Galvão, coordenador do grupo de investigação QLOC do INL, acrescentando que “estas demonstrações foram consideradas marcos importantes pela comunidade”.

Ernesto Galvão, coordenador do grupo de investigação QLOC (Quantum and Linear Optical Computation) do INL (Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia)

Porquê? Segundo o investigador, porque foi demonstrado que o erro do qubit lógico codificado diminuiu aproximadamente pela metade devido à correção de erros. “Isso foi feito duas vezes seguidas, ao passar de códigos que usam sub-redes de 3×3 para 5×5 qubits, e destas para uma sub-rede de 7×7 qubits. Além dessa demonstração de códigos de correção de erros, o grupo também fez uma demonstração de circuitos aleatórios que são difíceis de simular classicamente, por uma margem ainda maior do que a margem considerável de experimentos anteriores”, explica.

Nas palavras de Ernesto Galvão, “o desenvolvimento do hardware e software/eletrónica necessários para a codificação e decodificação dos códigos em tempo real atestam o comprometimento do grupo com o desenvolvimento de computadores quânticos tolerantes a erros”.

Que oportunidades traz esta descoberta da Google?

Ainda assim, e embora reconheçam a importância deste avanço para o desenvolvimento da computação quântica, os investigadores relembram o caminho – e a incerteza – que ainda há pela frente rumo à utilização efetiva das máquinas quânticas. O coordenador do QLOC explica que ainda não se sabe se será possível tirar vantagem computacional com importância económica sem o uso de correção de erros e que embora, na descoberta da Google, haja um único qubit codificado, o artigo “representa o maior feito indicando o caminho para a escalabilidade de computadores quânticos tolerantes a erros”. Já para Ana Neri, é importante receber estas notícias e interpretá-las no “seu devido contexto”. “Isto é apenas um passo no longo caminho para um computador quântico ser capaz de resolver problemas úteis. Só o tempo dirá o quão significativo este avanço se mostrará para a utilização prática que todos esperamos ver”, confessa.

Em todo o caso, a Google parece ter aberto uma porta com várias as oportunidades. “Do ponto de vista da minha própria investigação toda a evolução a este nível só torna mais premente o investimento no desenvolvimento de novos algoritmos quânticos que possam correr em máquinas cada vez mais promissoras, assim como na construção de uma verdadeira engenharia de software para este paradigma”, refere Luís Soares Barbosa. E, Ernesto Galvão acrescenta: “Outros marcos ainda estão a ser alcançados, como portas lógicas aplicadas a qubits lógicos codificados, e portas de dois qubits codificados com erros abaixo de 10^-6”.

Enquanto esperamos pelas notícias que nos darão conta de que os computadores quânticos estão no mercado, continuamos a assistir a uma corrida, ainda sem meta à vista, mas que nos poderá levar a ter acesso a máquinas poderosas, capazes de resolver problemas em diferentes setores, como a saúde, nomeadamente na descoberta de novos medicamentos, e de acelerar o desenvolvimento de outras como a Inteligência Artificial.

[1] Peter Williston Shor é um investigador norte-americano, docente no Massachusetts Institute of Technology (MIT), conhecido pelo seu trabalho na área da computação quântica, em particular por ter desenvolvido o algoritmo quântico Shor.

[2] As portas lógicas permitem a manipulação de qubits.

[3] Os códigos de superfície são uma forma de agrupar qubits físicos em qubits lógicos, o que protege os cálculos dos erros sem impactar de forma negativa o desempenho da máquina.

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