Bruxelas recebeu durante dois dias decisores políticos, representantes da Comissão Europeia, de centros de I&D e de stakeholders industriais para debater os caminhos da ciência e da tecnologia rumo a uma Europa mais resiliente, autónoma e sustentável. Com o mote “Autonomia estratégica de Investigação e Inovação (I&I) de dupla utilização: coerência, capacidades e o futuro da Europa”, a INESC Brussels HUB Summer Meeting 2025 reuniu mais de 140 pessoas, ao longo dos dias 25 e 26 de junho.
Um dos parceiros estratégicos da edição deste ano foi o PLANAPP – Centro de Planeamento e de Avaliação de Políticas Públicas – um serviço central do governo português, que opera com autonomia administrativa e desempenha um papel de liderança no apoio ao planeamento e definição estratégicos das prioridades governamentais, assegurando, assim, coerência entre setores e instrumentos de planeamento transversais, e avaliando a implementação e o impacto das políticas públicas. Também a Foresight Unit do Joint Research Centre (JRC) e o European Parliament Research Service marcaram presença, como atores fundamentais na promoção da governação antecipatória e do pensamento de longo prazo das instituições da União Europeia. Além disso, também a RAND Europe contribuiu para este exercício sobre como pensar a I&I na defesa. O diálogo entre o PLANAPP, o JRC, o EPRS e a RAND Europe, representa uma oportunidade única para estabelecer uma ponte entre as abordagens nacionais e europeias em matéria de prospetiva, planeamento de políticas e coerência estratégica.
A edição deste ano focou-se em temas estruturantes como a coerência dos programas de apoio à I&I em defesa e outras áreas que possam ser consideradas de duplo-uso, ao conceito de duplo-uso em si e como pode ser interpretado e implementado para promover autonomia estratégica e, claro, ao futuro: como pode tudo isto ser enquadrado no próximo quadro financeiro plurianual de 7 anos (2028-2034) e no próximo quadro Europeu de apoio à I&I, comumente designado de FP10. Outros tópicos importantes para entidades de I&I foram a segurança do conhecimento, a caracterização e capacidades de investigação e inovação distribuídas pela UE para a relevância, autonomia e competitividade europeia. O INESC TEC contribuiu de forma ativa neste encontro, quer nos painéis de discussão quer nas sessões de networking, reafirmando, assim, o seu papel como um dos principais institutos de interface em ciência e tecnologia da Europa.
Os principais objetivos da discussão
Num momento que se entende como crítico para o sistema de investigação e inovação europeu, caracterizado por tensões geopolíticas intensificadas, transições tecnológicas aceleradas e uma exigência de maior soberania industrial e tecnológica, entre os principais objetivos da 2025 INESC Brussels HUB Summer Meeting estiveram:
- explorar a coerência entre os programas de financiamento da União Europeia (EU), que são fundamentais para a autonomia estratégica e a resiliência europeia, tais como o FP10, DF2, EDIS, Digital Europe;
- destacar o papel das instituições de I&D (RTO), universidades e outras instituições de investigação no ecossistema de investigação e inovação (I&I) de dupla utilização e defesa, defendendo a sua maior visibilidade e participação;
- enquadrar as tecnologias de dupla utilização como facilitadores estratégicos da resiliência europeia, da descentralização industrial e da preparação em domínios como a energia, cibersegurança, saúde, mobilidade e proteção civil;
- contribuir para moldar as abordagens da EU em matéria de segurança do conhecimento, abordando a tensão crescente entre a ciência aberta e a proteção de tecnologias críticas;
- apoiar uma compreensão partilhada das funções e responsabilidades em todo o sistema europeu de I&I para melhorar a conceção dos programas, garantir a complementaridade entre os instrumentos de financiamento e aumentar o potencial de colaboração;
- reforçar o posicionamento do ecossistema INESC e da comunidade de investigação europeia em geral como contribuintes para o desenvolvimento da investigação e da inovação.
A participação do INESC TEC
Subordinado ao tema principal “panorama estratégico e desafios sistémicos”, o primeiro dia ficou marcado por vários painéis de discussão que contaram com a presença de vários investigadores do INESC TEC.
A primeira intervenção ficou a cargo de António Gaspar, ligado à área de desenvolvimento de negócio do INESC TEC, que participou no painel relacionado com o papel dos RTOs na I&D de dupla utilização e defesa. Moderado por Simon Pickard, da Science Business – media partner deste evento -, o painel contou ainda com a presença de Doris Schroecker, Head of Unit, Industrial Research, Innovation & Investment Agendas, António Braz Costa, diretor geral do CITEVE, Geraud Gilloud, da TNO e Guillermo Cisneros, reitor emérito da Universidade Politécnica de Madrid. A intervenção de António Gaspar centrou-se em várias propostas para reforçar o papel dos RTOs em futuros programas de defesa.
A moderação de uma das sessões da parte da tarde, “Sessão de prospetiva – prevenir é estar preparado: como antecipar o futuro da defesa e da dupla utilização”, esteve a cargo, não só de Simon Pickard. Participaram nesta sessão Elsa Picão (PlanAPP), João Farinha (JRC), Henri vas Soest (RAND Europe) e Antoine Cahen (EPRS – European Parliament Research Service).
Já no segundo dia do evento, destaque para os investigadores do INESC TEC Hugo Paredes, Ignacio Gil e Nuno Cruz, que participaram em diferentes sessões temáticas.
Hugo Paredes, que coordena a área de computação centrada no humano e ciência da informação no INESC TEC, foi um dos participantes na sessão temática “Saúde, cyber e sensores para resiliência societal”. Aqui, apresentou, sob o mote “Mind-Aware, Mission-Ready”, a investigação que tem sido desenvolvida na área da saúde personalizada, desde soluções para tratamentos personalizados, ao armazenamento de dados hamornizados, com partilha controlada e preservação de privacidade.
Há mais de uma década que o INESC TEC investiga sobre sistemas de software relacionados com a saúde mental, sendo “o foco o atual na definição de perfis cognitivos para uma pré-avaliação contínua da depressão”, como explica o investigador. Durante a apresentação, Hugo Paredes abordou ainda o papel da definição de perfis cognitivos na IA centrada no humano e na necessidade de supervisão humana da IA. “A questão relacionada com os desafios que garantam a qualidade do software com a integração de componentes não determinísticos da IA em sistemas de software altamente complexos foi também um dos pontos da minha apresentação”, acrescenta. Por último, falou também dos ambientes virtuais multissensoriais, que fornecem estímulos percetuais equivalente para uma melhor simbiose ser humano/tecnologia.
Já a sessão denominada “Robótica, Sistemas de Energia e Autonomia – Tecnologia estratégica para uso civil e defesa” foi composta pelas apresentações de Ignacio Gil, investigador do INESC TEC na área de sistemas de energia, e Nuno Cruz, que coordena a área de robótica e sistemas autónomos do Instituto”.
Ignacio Gil fez a sua apresentação subordinada ao tema “Energia, sistemas de energia e autonomia – tecnologia estratégica e infraestruturas críticas”. “Na minha intervenção explorei a forma como as redes inteligentes, impulsionadas pela Inteligência Artificial e a digitalização podem melhorar a transição energética da Europa e a resiliência da rede, num contexto de envelhecimento das infraestruturas e de aumento de procura de eletricidade. As principais áreas em que me foquei foram: o desenho de redes elétricas resilientes, o regresso dos sistemas de corrente contínua e o desenvolvimento de subestações inteligentes que tiram partido da IA, dos dados em tempo real e da cibersegurança”, explicou o investigador do INESC TEC. Ignacio Gil, destacou ainda o facto de haver uma mudança geopolítica nas prioridades da EU, que deixou de seguir a máxima do “clima primeiro” para a autonomia estratégica, a competitividade industrial e a segurança energética e apresentou soluções inovadoras como as web-of-cells que permitem um controlo descentralizado e sistemas de recomendação interoperáveis para resposta à procura. A sessão terminou com apelos a alinhamento de políticas, ao investimento em infraestruturas digitais e a arquiteturas de próxima geração que possam apoiar um sistema elétrico europeu limpo, seguro e adaptável.
Já Nuno Cruz, debruçou-se sobre os desafios emergentes da robótica marinha e a sua relevância estratégica para missões civis e de defesa. Destacou aplicações em vigilância, monitorização ambiental e proteção de infraestruturas, ilustradas com projetos como o SEAGUARD e o NAUTILUS, liderados pelo INESC TEC. Sublinhou ainda a importância de mecanismos que facilitem a adoção de tecnologias robóticas autónomas e o papel dos centros de investigação como motores de inovação. “A robótica marinha é hoje uma tecnologia estratégica para responder a desafios civis e de defesa — da vigilância ambiental à proteção de infraestruturas críticas. Precisamos de mecanismos que acelerem a adoção destas soluções e reforcem o papel da Europa na inovação tecnológica”, afirmou.
Simon Pickard moderou, a última sessão plenária intitulada “O caminho para o FP10 – pode a Europa construir as fundações certas para o seu futuro no desenvolvimento e inovação?”. Esta sessão, focada na identificação de sinergias, gaps, e coordenações futuras, contou com Manuel Aleixo, membro do gabinete da Comissária Ekaterina Zaharieva, Carla Matias dos Santos, conselheira da representação permanente de Portugal na União Europeia, Verena Fennemann, responsável pelo gabinete de Bruxelas da Fraunhofer EU e Mattias Bjornmalm, secretário-geral do CESAER.
As principais conclusões
O presidente do INESC TEC e vice-presidente do INESC Brussels HUB, João Claro, conduziu a sessão de encerramento do evento, onde sublinhou o que está agora a ficar mais claro no que diz respeito à agenda europeia de investigação e inovação no domínio da defesa e da dupla utilização.
De acordo com João Claro, “há uma necessidade urgente de reduzir a fragmentação e de criar massa crítica, nomeadamente através da combinação da excelência científica com um papel mais forte das organizações ligadas à investigação na definição colaborativa de roteiros, na orquestração e na concretização de missões”. O presidente do INESC TEC destacou ainda questões como a preparação institucional, o aumento de escala das cadeias de valor e a capacidade estratégica de produção como prioridades emergentes, essenciais para o desenvolvimento de capacidades em defesa e uso dual.
João Claro também enfatizou que, embora muitos elementos já estejam em curso e as principais prioridades estejam definidas para os próximos meses, começa a formar-se uma imagem mais nítida dos desafios estruturais que é necessário enfrentar para passar do potencial ao impacto operacional. “Esperamos que este evento tenha ajudado cada um de nós a reforçar o compromisso com um esforço europeu coerente e ambicioso em investigação e inovação em defesa e uso dual, e tenha trazido maior clareza ao caminho que devemos seguir”, concluiu, agradecendo a todos os participantes e às equipas envolvidas na organização da reunião.
Os investigadores mencionados na notícia têm vínculo ao INESC TEC, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), Instituto Superior de Engenharia (ISEP) e Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).