Da robótica à liderança científica: o papel do INESC TEC na primeira missão espacial análoga em habitat em Portugal

O INESC TEC liderou a primeira missão espacial análoga realizada dentro de um habitat em Portugal. A iniciativa “Monsaraz Mars Analog Mission” decorreu entre os dias 13 e 25 de outubro, no espaço exterior do Observatório Astronómico do Lago-Alqueva (OLA), em Monsaraz. Ana Pires e Diogo Paupério foram os protagonistas por parte do Instituto.

Foi durante 13 dias que uma equipa de cinco cientistas astronautas – três portugueses e dois internacionais – permaneceu isolada dentro de um habitat que simulava Marte para encontrarem novas formas de viver no Espaço.

Um desses cientistas é um jovem investigador do INESC TEC, de nome Diogo Paupério, que foi o flight engineer ou, em português, engenheiro de voo e o especialista em robótica desta missão que representou Portugal no “World’s Biggest Analog”. Fora desse habitat, como diretora do Centro de Controlo de Missão (Mission Control), estava outra investigadora do INESC TEC, Ana Pires, a primeira cientista astronauta portuguesa, que já não é nova nestas andanças e que, já em 2023, tinha sido pioneira na missão CAMões, nos Açores, quando esteve fechada durante seis noites e sete dias na Gruta do Natal, na ilha Terceira, a replicar o ambiente lunar. Desta vez, o que se pretendia replicar as condições do planeta Marte.

A saída aconteceu às 14h00 de dia 25 de outubro, num ambiente de celebração, mas não sem antes serem proferidas as palavras “Comandante, a missão está completa. Todos os objetivos foram atingidos. Obrigada e um bom voo de regresso a casa “, por Slavka Andrejkovičová (Universidade de Aveiro), que juntamente com Ana Pires, que lhe segurava o walkie talkie enquanto estas palavras eram ditas, esteve a liderar a Mission Control. Pedro Pedroso, comandante da missão dentro do habitat, cumpriu as ordens que recebia do exterior.

Fora do habitat, muitos dos que tornaram possível que esta missão acontecesse esperavam, com ansiedade, o regresso dos cinco cientistas. Por parte do INESC TEC, Maria da Graça Barbosa, administradora do Instituto, esperava Diogo Paupério, juntamente com Ana Pires.

“Assumir a liderança científica e tecnológica desta missão em solo português é algo com extrema relevância. A Ana coordenou equipas, integrou parceiros nacionais e internacionais e esteve na Mission Control, o Diogo esteve 13 dias dentro do habitat a conduzir experiências científicas na área da robótica. Isto só pode ser algo do qual nos orgulhamos muito. Não só pelo posicionamento internacional que este tipo de iniciativas tem, ao colocar Portugal, no geral, e o INESC TEC, em particular, num patamar elevado no contexto da exploração análoga planetária, reforçando a capacidade nacional de I&D, mas também noutras áreas que têm sido uma aposta estratégica do INESC TEC, como, por exemplo, o incentivo às áreas STEM, onde a Ana tem sido uma grande embaixadora da nossa instituição”, conta Maria da Graça Barbosa.

Créditos: Luís Costa

Quem também esperava os cientistas era Marta Prates, presidente da Câmara de Reguengos de Monsaraz, Leonel Godinho, diretor do OLA, Carla Patinha, representante da Universidade de Aveiro, António Candeias, Universidade de Évora e diretor do Laboratório HERCULES, Rosa Doran, presidente do NUCLIO que esteve responsável pela componente educativa e de outreach, Eduarda Lopes Dias, external communications officer da Natixis em Portugal, que foi o parceiro de inovação da missão, Ana Miller, investigadora IRNAS-CSIS, uma das colaborações científicas internacionais, Nina Bażela, CCO da CleverHive Space, outra das colaborações científicas internacionais.

Celebrado o sucesso da missão, foi feita uma visita guiada ao habitat a todos os que se encontravam no exterior. Para além de todas estas instituições, também a Associação os Montanheiros, líderes da Missão CAMões, apoiaram a Monsaraz Mars Analog Mission.

13 dias dentro de um habitat

Diogo Paupério esteve 13 dias isolado dentro do habitat. Ao longo desse tempo, foram várias as suas responsabilidades, não fosse ele o flight engineer da missão. O investigador do INESC TEC assumiu a operação, manutenção e integração de todos os sistemas tecnológicos e robóticos, garantindo o funcionamento do habitat. Entre as suas responsabilidades estiveram a monitorização ambiental, a gestão das comunicações, a eletrónica e o apoio às atividades extraveiculares (EVA).

Cada astronauta dispunha de apenas três litros de água consumível por dia, incluindo para refeições e consumo direto. A higiene pessoal era feita com toalhetes e pequenas quantidades de água controlada, simulando as restrições de recursos típicas de uma missão real em Marte.

A alimentação era composta essencialmente por comida liofilizada, desidratada por congelação e sublimação, permitindo preservar nutrientes e reduzir o peso e volume dos alimentos — um método amplamente utilizado em missões espaciais.

O INESC TEC levou para o habitat o drone Phobos, utilizado em múltiplas operações, incluindo testes noturnos de busca e salvamento (Search and Rescue – na sigla inglesa). Numa das simulações, o drone transportou uma payload com um rolo de fita adesiva para reparar um rasgão num fato espacial. O Phobos foi também usado em inspeções externas, apoio à navegação e reconhecimento geológico.

Diogo foi ainda responsável pelo sistema sensorial da missão, gravações e transmissões em direto, e pela operação dos fatos espaciais DELTA, mockups funcionais desenvolvidos com o apoio do Austrian Space Forum (OeWF). Estes fatos simulavam as restrições de mobilidade, comunicação e ventilação de fatos espaciais reais, recriando o ambiente marciano durante as EVA.

Entre as experiências científicas realizadas destacou-se a integração de módulos de recolha de dados com sensores SIMOC Live, que mediam CO₂, temperatura, humidade, compostos orgânicos voláteis e pressão atmosférica em tempo real. O sistema fazia parte de uma rede internacional de habitats do World’s Biggest Analog, monitorizada pela EarthCom. No habitat de Monsaraz foram registadas mais de 150 000 medições durante a missão.

O estudo psicológico ERA (Emotional Response Analysis) foi outra vertente essencial, avaliando o bem-estar emocional e cognitivo dos astronautas através de registos diários de vídeo.

Em colaboração com a CleverHive Space, da Polónia, foi ainda testado um software de planeamento e controlo de rovers, com Diogo Paupério a desempenhar o papel de operador.

Para além de todas estas experiências, foram realizados testes de dureza em rochas com geotecnologias, investigações na área da geomicrobiologia e geociências planetárias, e uma experiência relacionada com a antropologia espacial.

Uma das experiências mais interessantes da missão, e única no âmbito do World’s Biggest Analog, foi a extração e quantificação de DNA em teleoperações, com apoio de Ana Miller e da sua equipa do IRNAS-CSIC, que, a partir do controlo de missão, monitorizou todos os procedimentos desta experiência. De destacar ainda o apoio de António Candeias, Diretor do Laboratório HERCULES da Universidade de Évora, que cedeu o equipamento portátil de XRF de fluorescência.

“Foi uma experiência incrível. Tenho de agradecer à minha mentora, colega e amiga, a investigadora Ana Pires – uma verdadeira inspiração que acreditou em mim. Sempre adorei astronomia, mas nunca pensei que ser astronauta fosse possível num país pequeno como Portugal. Foram 13 dias de intensa experimentação e adaptação, com desafios de comunicação e condições exigentes. Provar que é possível levar tecnologia portuguesa a simular Marte, e fazê-lo aqui, em solo nacional, é algo de que me orgulho imenso”, conta Diogo Paupério.

Ana Pires liderou toda a missão, incluindo a componente tecnológica, científica e logística, bem como a integração da iniciativa portuguesa no World’s Biggest Analog.

“Assumir a liderança da Missão Monsaraz foi um enorme desafio e, ao mesmo tempo, um motivo de grande orgulho. Foi o resultado de um esforço coletivo entre investigadores, instituições e parceiros nacionais e internacionais, todos com o mesmo objetivo: demonstrar que Portugal tem competência científica e tecnológica para estar na linha da frente da exploração espacial análoga. Esta missão simboliza a capacidade do nosso país de inovar, cooperar e inspirar as gerações futuras nas áreas STEM. A participação do jovem investigador Diogo Paupério foi exemplar, revelando elevada competência, espírito de equipa e profissionalismo que muito dignificam o INESC TEC e a investigação nacional”, refere Ana Pires.

As iniciativas de outreach

Importa ainda referir que, à semelhança do que tinha acontecido também na missão CAMões, as iniciativas de outreach tiveram também uma grande importância. Foram mais de 1500 docentes e estudantes que a missão Monsaraz conseguiu abranger diretamente, que incluíram países como Filipinas, Moçambique e Angola.

As iniciativas de outreach, tal como mencionado anteriormente, foram lideradas pelo NUCLIO, sendo que o OLA, foi responsável por toda a parte operacional. No futuro, espera-se que nasça uma estação de investigação espacial para ainda mais missões análogas.

 

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