O INESC TEC desenvolveu um mecanismo que usa dados para transmitir recomendações voluntárias aos consumidores e, assim, reduzir ou aumentar consumos consoante a necessidade da rede. As sugestões chegam através de aplicações móveis e Portugal não ficou de fora.
Aquecer a casa, carregar o carro elétrico, lavar a roupa: a conta de energia engordou os custos domésticos por toda a Europa desde o início da guerra na Ucrânia e os riscos para o sistema energético obrigaram a Comissão Europeia a avançar com planos para dar mais robustez à rede. Um deles: criar aplicações móveis e colocar nas mãos dos consumidores a gestão do seu consumo.
O INESC TEC construiu a estrutura de interoperabilidade que permitiu criar um ecossistema de aplicações móveis que usam a mesma ferramenta para que as recomendações de aumento ou redução de consumo cheguem aos consumidores. Portugal foi um dos 12 países que integrou o piloto no âmbito do projeto europeu InterConnect.
“O principal propósito destas aplicações é fornecer aos consumidores uma forma de visualizarem e gerirem o seu consumo de eletricidade de forma simples e intuitiva, e de agirem voluntariamente em resposta a recomendações fornecidas por terceiros para a gestão do seu consumo”, explica Carlos Silva, investigador do INESC TEC. No fundo, estas ferramentas digitais permitiam não só melhorar indicadores do próprio consumidor, mas também contribuir para proteger a rede elétrica e evitar situações de vulnerabilidade, seja pelo corte de carga ou pelo excesso de eletricidade de origem renovável.
“As recomendações estão relacionadas com a margem do sistema elétrico de um determinado país, e com a classificação do seu estado operacional como saudável ou em risco”, frisa Carlos Silva. Esses alertas enviados sob a forma de notificações push são definidos para diferentes países europeus de forma simultânea, “e fornecidos aos consumidores para que seja explorada a flexibilidade do consumo”.
A solução desenvolvida pelo INESC TEC chama-se “Interoperable Recommender”. Sob alçada do Instituto esteve a “conceptualização, desenvolvimento e implementação dos algoritmos que permitem definir as recomendações para os consumidores”, acrescenta Carlos Silva. Ou seja: “isto inclui a manutenção de toda a infraestrutura necessária à execução do serviço, para que as recomendações para todos os países estivessem disponíveis de forma contínua durante o período dos projetos piloto”.
Os dados usados pela ferramenta são provenientes, exclusivamente, de fontes públicas, como a ENTSO-E Transparency Platform. Mas era preciso mais do que dados. E, por isso, o INESC TEC desenvolveu a estrutura de interoperabilidade para os disponibilizar ao ecossistema de aplicações. E é a partir desta transformação dos dados brutos, em conjunto com o sinal do Operador das Redes de Distribuição (DSO, na sigla em inglês) de cada país que as recomendações são enviadas. Em Portugal, o INESC TEC contou com o apoio da E-REDES para o envio das sugestões a partir da Wattch.r – a aplicação portuguesa continua ativa, mesmo depois do fim do projeto InterConnect, e está disponível para download.
E há métricas que permitem perceber o impacto das recomendações nos hábitos de consumo em Portugal. Dos quase 70 consumidores que integraram o piloto, mais de 80% avaliaram, de zero a cinco, com quatro ou cinco estrelas o quão comprometidos estavam em adotar ações fornecidas pelo Interoperable Recommender.
Falar a mesma língua
O ponto de partida para esta solução aconteceu em 2023, altura em que a Comissão Europeia publicou o plano Digitalising the Energy System – EU Action Plan para que todas as soluções desenvolvidas falassem a mesma língua. O INESC TEC, através do projeto InterConnect, foi peça-chave para esta uniformização.
“O InterConnect assumiu a tarefa de desenvolver a primeira geração do Quadro de Referência Europeu Comum (CEFR) e entregou o primeiro blueprint em 2023, que serviu como um guia inicial para as aplicações relacionadas com gestão e poupança de energia. A validação foi feita através do desenvolvimento de uma versão inicial e, posteriormente, de demonstrações em grande escala em três países, e demonstrações adicionais em nove países utilizando um mecanismo de financiamento em cascata”, explica o investigador.
Seguindo uma política de dados abertos, o código utilizado para o Interoperable Recommender está disponível no Github do INESC TEC.
O InterConnect fez da interoperabilidade palavra-chave durante cinco anos e explorou o futuro da integração de sistemas digitais e inteligentes e utilizou aplicações centradas no consumidor para melhorar a utilização da energia, contribuindo para uma maior resiliência da rede elétrica, tudo através da utilização de tecnologias interoperáveis. A interoperabilidade baseada na semântica foi validada em diferentes países e contextos. Em Portugal, correram dois pilotos: um comercial e outro residencial.
O investigador do INESC TEC mencionado na notícia tem vínculo ao INESC TEC.