A Responsabilidade dos Cientistas: A Importância dos Direitos Humanos na Investigação Científica

Prefácio  

Todos os anos, e um pouco por todo o mundo, assinala-se, a 10 de dezembro, o Dia dos Direitos Humanos. Trata-se da celebração de um dos compromissos mais importantes e inovadores a nível global: a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este documento histórico consagra os direitos inalienáveis a que todas as pessoas têm direito – independentemente de questões como a raça, a cor, o género, a língua, a religião, a opinião política ou outra, a origem nacional ou social, a fortuna, o nascimento ou qualquer outra situação. Proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, a 10 de dezembro de 1948, esta Declaração estabeleceu, pela primeira vez, que os direitos humanos são fundamentais (e universalmente protegidos). 

Para marcar este dia, a Comissão para a Diversidade e a Inclusão (CD&I) abraçou o desafio de escrever um artigo de opinião sobre a importância dos direitos humanos na ciência. O texto que se segue é o resultado da nossa investigação e reflexão a nível pessoal.  

Uma Visão Histórica dos Direitos Humanos na Ciência  

Os direitos humanos na investigação científica evoluíram significativamente ao longo do tempo, moldados por eventos históricos e lacunas éticas que exacerbaram a necessidade de adotar padrões de proteção rigorosos para quem desenvolve investigação experimental. Tal como acontece com todos os outros domínios, compreender o contexto histórico ajuda a analisar adequadamente o estado da arte. Tudo começou no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, aquando dos Julgamentos de Nuremberga (1945-1946), que expuseram terríveis violações dos direitos humanos cometidas por médicos e investigadores nazis, que realizaram experiências desumanas em prisioneiros (sem o seu consentimento). O reconhecimento destes abusos levou à formulação do Código de Nuremberga em 1947, que estabeleceu dez princípios éticos, incluindo a necessidade de consentimento voluntário, a importância de realizar investigações científicas válidas, e a relevância de minimizar os danos. Surpreendentemente, isto não foi suficiente para mudar o paradigma científico. Nos Estados Unidos da América, após a Segunda Guerra Mundial, apontamos dois eventos que merecem a nossa atenção. Realizado pelo Serviço de Saúde Pública dos E.U.A., o Estudo de Sífilis de Tuskegee (1932-1972) envolveu o tratamento antiético de homens afro-americanos com sífilis, que ficaram sem acesso a qualquer tratamento, apesar de a penicilina estar amplamente disponível. Um estudo diferente, realizado na Willowbrook State School (1956-1970), envolveu infetar, deliberadamente, crianças com hepatite, de forma a estudar a evolução da doença.  

Estas violações abriram caminho para vários quadros institucionais e legais concebidos para proteger os direitos humanos na investigação. Um exemplo bastante conhecido é a Declaração de Helsínquia (1964), desenvolvida pela Associação Médica Mundial. Este documento estabelece princípios éticos para atividades de investigação médica que envolvem seres humanos. Além disso, ressalva a importância do consentimento informado, a necessidade de justificação científica de determinado tipo de projeto de investigação, e a obrigação de garantir o bem-estar dos participantes. Para os nossos leitores mais curiosos, sugerimos o Relatório Belmont (1979) e a Common Rule (1991).  

Hoje, todo este passado caracterizado por abusos continua a influenciar o campo da ética em investigação, com diversos debates sobre o papel do consentimento, da equidade e dos direitos dos participantes. De uma forma natural, tal contexto fomentou o desenvolvimento de políticas internacionais para garantir diretrizes estandardizadas na investigação científica. Iremos aprofundar este tópico de seguida.  

Integrar os Direitos Humanos na Investigação Científica  

Atualmente, vários quadros nacionais e internacionais visam garantir uma conduta ética e proteger os direitos humanos nos domínios da investigação. A ciência parece estar a alterar o seu rumo, passando da autorregulação (ou seja, a comunidade científica define as regras e monitoriza a sua aplicação) para um estado de hetero-regulação (as autoridades estatais definem as regras e monitorizam a sua aplicação). Curiosamente, estes regulamentos tendem a iniciar em investigações relacionadas com a saúde/as práticas clínicas – influenciando, posteriormente, outros domínios. A nível internacional, importa destacar as Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa Biomédica Envolvendo Seres Humanos (2016), desenvolvidas pelo Conselho das Organizações Internacionais de Ciências Médicas (CIOMS) em colaboração com a Organização Mundial de Saúde (OMS), e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (2005), desenvolvida pela UNESCO. Estes documentos abordam questões éticas relacionadas com as ciências e a biomedicina, promovem o respeito pelos direitos humanos na investigação científica e enfatizam a importância do consentimento informado, da diversidade cultural e da necessidade de garantir o acesso equitativo aos benefícios da investigação científica. 

No que toca ao INESC TEC, e uma vez que a nossa instituição lida com informática, dados e tecnologia, acreditamos que a comunidade deve saber mais sobre o Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (RGPD) (2018) Apesar de focar-se, principalmente, na proteção de dados, o RGPD tem implicações significativas para atividades de investigação que envolvem seres humanos, especialmente no que diz respeito ao consentimento, à privacidade de dados e ao direito de cessar a participação em determinados estudos. Além disso, dada a dimensão multidisciplinar da nossa investigação (especialmente, junto de stakeholders da área da saúde), acaba por ser comum, em determinados momentos das carreiras dos investigadores do INESC TEC, surgir a necessidade de analisar o Regulamento dos Ensaios Clínicos da Agência Europeia de Medicamentos e da Food and Drug Administration (FDA) dos E.U.A.; ou mesmo de cooperar com Conselhos de Revisão Institucional ou Comités de Ética.  

Princípios Fundamentais dos Direitos Humanos na Investigação  

À medida que a nossa sociedade avança, o mesmo acontece com a ciência e a ética. É de extrema importância que as Instituições de Ensino e de Investigação garantam que os investigadores estejam familiarizados com os vários princípios dos direitos humanos: 1) Consentimento, para que as pessoas estejam plenamente cientes da natureza do estudo, bem como dos riscos e do direito em cessar a sua participação a qualquer momento, sem repercussões; 2) Privacidade e Confidencialidade, de forma a garantir que os dados pessoas são mantidos em sigilo e utilizados – exclusivamente – para os fins pretendidos; 3) Tratamento Equitativo, para que todos os participantes sejam tratados com justiça e equidade; 4) Beneficência e Não-Maleficência, que defende que os investigadores têm a obrigação moral de maximizar os benefícios e minimizar os danos aos participantes; e 5) Integridade Científica, que afirma que aderir aos padrões éticos aumenta a validade e a confiabilidade dos resultados da investigação.         

Epílogo

A busca pelo conhecimento científico deve estar intimamente relacionada com o respeito pelos direitos humanos. Ao reconhecer o contexto histórico de violações éticas na investigação e ao priorizar a dignidade e os direitos das pessoas, os investigadores garantem que o seu trabalho contribui positivamente para a sociedade. A defesa destes princípios promove a confiança, a integridade e a credibilidade das descobertas científicas. À medida que o panorama da investigação evolui, torna-se imperativo manter um compromisso firme com as diretrizes éticas e os direitos humanos, adaptando as políticas para enfrentar os desafios emergentes. Este esforço de colaboração entre decisores políticos, investigadores e instituições é essencial para salvaguardar os direitos dos participantes nos estudos e garantir que a ciência traz benefícios para a humanidade. A defesa dos direitos humanos na investigação é crucial. Os investigadores devem ser sensíveis a estes tópicos, participar mais ativamente nas suas comunidades, e abordar questões como o desequilíbrio de poder. As tecnologias emergentes e o big data colocam novos desafios éticos, promovendo a necessidade de práticas de dados responsáveis. A colaboração internacional requer padrões éticos estandardizados. Em última análise, a investigação deve beneficiar toda a gente, especialmente os grupos marginalizados. 

Considera-se uma pessoa consciente e atenta a questões relacionadas com os direitos humanos? Sabe o que pode/deve fazer perante alguma violação dos direitos humanos?

Comissão para a Diversidade e a Inclusão (CD&I)

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