Bold(h)er – assim são as Mulheres e Meninas na Ciência do INESC TEC

Educação, equilíbrio entre vida familiar e profissional, liderança e futuro. Os temas foram lançados corria o ano de 2022. Oito Mulheres e Meninas que trabalham em ciência em Portugal, especificamente no INESC TEC, aceitaram o desafio. E assim se celebrou o Dia Internacional da Mulheres e das Meninas na Ciência, na iniciativa Bold, que resultou em quatro conversas, em separado. Um ano depois, surge o Bold(h)er, um evento em que se voltaram a reunir para agora, primeiro individualmente depois em discussão, abordarem os mesmos temas.

O objetivo? Consciencializar para a importância do Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, data que se celebra anualmente no dia 11 de fevereiro, naquela que é uma iniciativa lançada, em 2015, pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a Educação, a Ciência e a Cultura. A necessidade? Toda! Não fosse ainda em 2022 a mesma organização responsável pela celebração deste dia ter alertado para o facto de se estimar que o alcance da igualdade de género aconteça apenas num horizonte de 300 anos! Ou, recentemente, termos visto notícias a serem publicadas em órgãos de comunicação social nacionais sobre a desigualdade salarial entre homens e mulheres ter voltado a aumentar. As carreiras STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) não são exceção nesta desigualdade e uma consciencialização para a necessidade de mais Mulheres e Meninas nestas áreas esteve precisamente na génese deste dia. Aliás, durante o evento, mais um dado que foi partilhado: no setor da tecnologia apenas 12% das CEO são mulheres e, independentemente do nível de desenvolvimento do país, a igualdade nas áreas STEM não foi alcançada em nenhum.

Qual foi então o mote para o Bold(h)er? Uma reflexão sobre todas estas questões. 12 meses passados das conversas iniciais o que é que mudou? Ou não mudou e os problemas persistem?

As oito Mulheres Bold(h)er

Ana Pires, Carolina Catorze, Clara Gouveia, Graça Barbosa, Paula Raissa, Paula Viana, Rita Barros e Susana Rodrigues – são estes os nomes das protagonistas desta iniciativa.

A primeira intervenção foi da investigadora Ana Pires, a cientista astronauta do INESC TEC que investiga na área de robótica e sistemas autónomos e que, em 2023, foi a comandante da primeira missão análoga portuguesa, cuja liderança foi feminina e que, já em 2024, foi a vencedora da categoria Ciência e Tecnologia dos Prémios Women 3.0. Ana Pires falou sobre futuro e da importância de inspirar as novas gerações, utilizando, para isso, a educação como arma na luta para uma sociedade mais igual. Paula Raissa, investigadora do INESC TEC na área da inteligência artificial e apoio à decisão, abordou o mesmo tópico e reforçou aspetos com a importância não só da representatividade feminina, mas da proporcionalidade. Numa partilha mais intimista, Paula falou de alguns dos seus role models femininos, como a avó paterna ou a mãe, que lhe perguntou, quando era criança, se queria ser independente. Paula Raissa disse que sim. Queria ser independente a todos os níveis, incluindo no financeiro. E, por isso, investiu a vários níveis, nomeadamente na educação e continuar a investir noutra grande arma para combater a desigualdade: os livros.

O tema da liderança foi abordado por três mulheres – Graça Barbosa, Carolina Catorze e Clara Gouveia. Graça Barbosa, a única representante feminina do conselho de administração do INESC TEC, decidiu focar a sua intervenção na liderança científica. Começou com Marie Curie, como exemplo de uma cientista galardoada, conhecida por todos como a primeira mulher que venceu um Prémio Nobel, mas que, ainda assim, sofreu na pele a desigualdade, na medida em que o primeiro Nobel que lhe foi atribuído ia ser dado apenas ao marido, Pierre Curie, e a Henri Becquerel, caso não tivessem contestado a injustiça. A resiliência e a genialidade de Marie venceram e a cientista venceu, uns anos depois, um segundo prémio Nobel. Para Graça Barbosa, a cientista é uma inspiração desde muito nova.

No que respeita ao INESC TEC, Graça Barbosa acrescentou que, apesar dos esforços feitos nos anos mais recentes, há ainda muito espaço para melhoria no que respeita à proporção e relevância das mulheres nas carreiras científicas. Acrescentou que teremos de aprofundar a compreensão das razões para esta realidade, seja através das narrativas tradicionais, quer à luz de perspetivas alternativas. Concluiu dizendo que as mulheres não têm de ser geniais como a Marie Curie para terem o reconhecimento, as oportunidades e a liderança científica que merecem.

Já Carolina Catorze, investigadora na área de sistemas de energia, abordou a importância da diversidade em áreas como a ciência e tecnologia. Para Carolina, a sub-representação das vozes femininas em cargos de liderança é preocupante. Enfatizou que a liderança não tem que ver com poder ou com títulos, mas com sermos capazes de despertar as potencialidades dos outros, isto é, a dança entre inspiração e influência.

Clara Gouveia, investigadora sénior também na área dos sistemas de energia, partilhou a sua experiência enquanto mulher na engenharia, desde a escolha do curso, a entrada na faculdade até aos dias de hoje. Num novo ambiente maioritariamente masculino (de 180 pessoas apenas 20 eram mulheres) a faculdade e mais tarde o ambiente laboral pode tornar-se desconfortável e intimidador. Referiu ainda que as mulheres tendem a subestimar as suas capacidades e a evitar situações de destaque neste contexto mais masculino. Desafiou assim a audiência a aceitar o desconforto como parte do desafio e oportunidade de crescimento. Falou dos seus modelos femininos e masculinos, de como o pai foi uma inspiração para seguir engenharia eletrotécnica, ainda que, tempos houve, o pai chegasse a ter dúvidas de que uma bailarina (amadora) pudesse interessar-se por engenharia eletrotécnica. No entanto, procurou sempre incentivar o seu percurso. E hoje, Clara Gouveia, é, não só, investigadora do INESC TEC, mas também membro do conselho de administração da Martifer. Uma das lições aprendidas em toda esta jornada? Estar confortável no desconforto e não ter receio de sair da zona de conforto.

O tema do equilíbrio entre a vida familiar e profissional foi abordado por Susana Rodrigues, investigadora do INESC TEC na área de engenharia biomédica, mas também membro da equipa dos Recursos Humanos da instituição. Susana começou por explicar que, nesta área, há mulheres que são mais focadas na carreira (career-driven women), outras que são mais focadas na família (family-driven women) e mulheres que procuram a harmonia e o equilíbrio entre as duas áreas (balanced-driven women). Depois, numa perspetiva intimista, Susana falou da mãe, como um modelo de balanced-driven woman, que sempre teve uma carreira exigente, enquanto cuidava da família. Susana sabe, porque o disse, que houve tempos em que foi difícil para a mãe conseguir gerir todo este multitasking e, por isso, reforçou a importância das comunidades de apoio, ainda que informais. E identifica-se na dificuldade do dia-a-dia em gerir tudo isto e na importância da partilha, principalmente com as gerações mais novas. De acordo com Susana Rodrigues, alcançar este equilíbrio é um processo contínuo que envolve estabelecer limites, gerir prioridades, aprender a dizer não, comunicar abertamente e reconhecer quando são necessários ajustes para evitar que uma dimensão domine a outra.

Paula Viana – engenheira, membro do INESC TEC desde a sua génese, onde é investigadora na área de telecomunicações e multimédia. “Feminista”, assim se assume, e acredita que as meninas vão salvar o mundo. Falou sobre o futuro, mas também do papel da educação. Disse que, apesar da engenharia e da ciência terem o objetivo de mudar o mundo, continuam a ser um “boys club” e que, neste cenário, quase poderia dizer que não se enquadra, que não pertence. Mas tem a certeza que isso vai mudar e que as gerações mais novas vão enquadrar-se e que é, por isso, que as meninas vão salvar o mundo.  Porque perceber que a tecnologia não é uma coisa de homens é uma questão cultural. Partilhou que só depois de ser mãe de dois rapazes se apercebeu que estes estereótipos culturais são as barreiras que não estão a deixar avançar um mundo mais igualitário, não só na ciência, mas no mundo. Outro estereótipo: as mulheres são demasiado emocionais. “Não é a emoção essencial à criação?”, pergunta. Paula acredita que a mensagem a transmitir às meninas é que é preciso arriscar e assumir o risco de se ser diferente, não é preciso ser-se um génio.

Rita Barros, responsável pelo Apoio Jurídico do INESC TEC, falou do futuro, não sem antes olhar para o presente e perceber a falta de representatividade feminina em cargos de liderança, na área da ciência e tecnologia. Falou de como as mulheres continuam a ser responsáveis e mais sobrecarregadas com questões familiares do que os homens e da necessidade de uma mudança de discurso e de mentalidade. “Tem de parar de ser desconfortável uma mulher dizer numa reunião que tem de sair, porque tem de ir buscar os filhos ou de dar apoio aos pais”, diz Rita. Ao mesmo tempo, acredita que as mulheres têm de deixar de ser prejudicadas, a nível profissional, por esta sobrecarga a nível pessoal.

O fecho

Uma hora e meia de discussão que serviu para mostrar a importância de existir um dia internacional das mulheres e meninas na ciência. Oito mulheres com os papéis principais na abordagem a quatro temas. Lugar para outras intervenções e partilha de ideias. E assim chegou ao fim a iniciativa Bold(h)er, mas com uma certeza – desde a quebra de barreiras em áreas dominadas por homens até à defesa da diversidade e da inclusão, a nossa comunidade está a abrir caminho para as futuras gerações de mulheres na ciência. Missão cumprida (para já)!

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