Da robótica, à engenharia biomédica e à educação: o papel do INESC TEC na primeira missão análoga portuguesa

Um grupo de sete cientistas esteve fechado durante seis noites e sete dias na Gruta do Natal, na Ilha Terceira (Açores), a replicar o ambiente lunar. Foi a primeira missão análoga realizada em Portugal e o objetivo passou por fazer dos Açores um local de treino para astronautas de todo o mundo. Chamaram-lhe projeto CAMões (Caving Analog Mission for Ocean, Earth and Space Exploration). O INESC TEC, juntamente com a Associação Os Montanheiros, esteve na liderança e organização deste projeto desde o início, não só porque a comandante/líder da missão é investigadora da instituição, Ana Pires, mas também porque houve tecnologia de várias áreas do instituto a ser testada e uma missão grande a ser cumprida – a de educar as novas gerações para as STEAM (Science, technology, engineering, arts and mathematics).

O papel da robótica

Enquanto engenheira geotécnica, Ana Pires quis aproveitar as condições da Gruta do Natal, cujas similaridades com os tubos de lava existentes em Marte e na Lua são muito grandes, para fazer um mapeamento e e modelo 3D da gruta. Esta não é uma área nova explorada pelos investigadores do INESC TEC que trabalham em robótica e que têm vindo a desenvolver soluções robóticas inovadoras para ambientes complexos, como é o caso desta gruta, e múltiplas operações, desde a recolha de dados, à inspeção, ao mapeamento, vigilância ou, até mesmo, intervenção. Embora estes investigadores tenham concentrado esforços grandes no desenvolvimento destas soluções para aplicação no mar profundo, as semelhanças entre as superfícies lunares e a exploração robótica subaquática são grandes, e, desde logo, começam por ambos serem considerados ambientes extremos.

Trabalhos a decorrer dentro da gruta, durante a missão

O projeto permitiu explorar tecnologias com o objetivo de integrar o espaço, a terra e o mar, oferecendo benefícios significativos para as comunidades locais e a pesquisa científica. “A ideia passou sempre por testar tecnologias subaquáticas, robôs, sensores que podem resolver problemas na terra, conhecer espécies marítimas, usufruindo do ecossistema do clima, e da geodiversidade e biodiversidade que a ilha apresenta. É um projeto muito mais abrangente que um treino de astronautas”, refere Ana Pires.

A organização de duas edições do evento “SOE – Space, Ocean and Earth insights”, a primeira em 2022 e a segunda em 2023 (pela primeira vez inserida no âmbito da Glex Summit) pelo INESC TEC, e onde os investigadores do centro de robótica e sistemas autónomos da instituição tiveram um papel preponderante, é mais um dos exemplos que reforça esta interação entre as tecnologias desenvolvidas para o espaço, oceano e para ambientes terrestres.

Os dados recolhidos pela investigadora do INESC TEC durante a missão vão agora ser analisados para depois serem partilhados com a comunidade científica.

E a engenharia biomédica?

Apesar de não ser, à partida, uma relação óbvia, ela existe através de um sistema wearable, desenvolvido pelos investigadores do INESC TEC, capaz de monitorizar sinais vitais e medir a exposição humana a parâmetros ambientais nocivos (e.g. altas temperaturas e humidade, etc.) nestas condições extremas. Mas não é só de monitorização de sinais vitais que estamos a falar, os investigadores têm feito um grande esforço para conseguirem combinar algoritmos baseados em sinais fisiológicos com psicológicos, de forma a compreender o impacto de riscos psicossociais, como o stress, na saúde do utilizador, através da utilização de informação psicofisiológica.  À disposição do projeto CAMões os investigadores colocaram os sensores a monitorizar os sete participantes da missão, realizando assim testes num ambiente adverso. Os objetivos passaram por 1) compreender a capacidade de cada tripulante da missão para vestir e utilizar, de forma contínua, os dispositivos wearable, num ambiente adverso; 2) compreender se estes dispositivos podem substituir, em termos de capacidade, precisão e facilidade de utilização, alguns dos equipamentos médicos mais pesados e que, normalmente, são utilizados para avaliar os principais sinais vitais; 3) compreender alterações psicofisiológicas dos tripulantes, como níveis de stress ou de fadiga, no decorrer da missão, através da utilização dos dados fornecidos pelos dispositivos wearable e de inquéritos que eram enviados. Os dados reunidos durante a missão do projeto CAMões serão agora tratados pela equipa de investigadores do INESC TEC, que já recebeu algum feedback dos tripulantes em relação aos sensores.

Rui Moura (INESC TEC), a experimentar o fato especialmente concebido para esta missão

O papel da educação

O INESC TEC tem, desde a sua génese, uma missão muito clara em relação ao papel que deve ter na promoção da educação para a ciência e tecnologia. É, por isso, que todos os anos se associa a uma série de iniciativas promovidas, por exemplo, por entidades como a Ciência Viva ou os próprios associados. O projeto CAMões não foi exceção na forma como encarou o papel da educação, em especial nas áreas STEAM e com o apoio do Programa Ciência Viva e ESERO Portugal. Desde logo começando pela aposta na diversidade, multidisciplinaridade e na equidade como “armas para a educação”.

A tripulação num dos webinars durante a missão

Durante os sete dias de missão, aliás, os cientistas falaram com estudantes de vários países (Portugal, EUA, Porto Rico, Paquistão e África do Sul), através de webinars, que permitiram aos alunos acompanhar de perto esta missão análoga e fazer perguntas, em direto, à equipa de investigação.

Outros resultados científicos da missão

O trabalho desenvolvido durante a semana em que os investigadores estiveram na Gruta do Natal não se esgotou na robótica nem na engenharia biomédica. O grupo de sete cientistas recolheu amostras de rochas e solo, fez experiências com técnicas de armazenamento em gelo e congelação de azoto líquido – aspetos fundamentais na investigação em astrobiologia -, adquiriu-se dados fizeram também um modelo, a três dimensões, da gruta, testaram-se fatos desenvolvidos especialmente para esta missão, estudou-se a parte comportamental e médica, entre outros.

Nas palavras de Ana Pires, “esperemos que com as ligações que aqui criámos, ao conseguirmos envolver nesta missão pessoas ligadas à NASA e à ESA, seja possível termos verdadeiros astronautas destas agências a fazerem missões de treino, no futuro, na Gruta do Natal”.

Entre 2024 e 2025 é expectável que seja publicado um livro, editado pela SPRINGER NATURE, dedicado exclusivamente à missão CAMões e às estruturas vulcânicas. O objetivo é destacar a importância da ciência e tecnologia envolvidas, mas também publicar os principais resultados da missão.

Quanto ao INESC TEC e a Associação Os Montanheiros há já planos para dar continuidade ao trabalho de mapeamento cartográfico e modelo 3D noutras grutas da Ilha Terceira.

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