Por Joana Rocha, Assistente de Investigação no Centro de Investigação em Engenharia Biomédica (C-BER)
Recentemente, descobri que, até 2019, não eram utilizados bonecos femininos para testes de colisão no setor automóvel [1]. Até esse marco, as consequências dos acidentes de viação eram medidas apenas com recurso a bonecos masculinos – o modelo Hybrid III, criado em 1976, e utilizado ainda hoje (quase 50 anos depois) [2]. Assim, os grandes avanços em termos de segurança rodoviária beneficiam apenas os homens – ainda que as mulheres tenham duas a três vezes mais propensão a sofrer lesões relacionadas com o efeito de chicote do que os homens [3], traduzindo-se numa clara falta de representatividade nestes processos.
Tal fez-me refletir sobre o facto de as mulheres serem negligenciadas quando se trata de ocupar cargos ligados à investigação, mas também – e, quiçá, ainda mais chocante – sobre o facto de sermos ignoradas nos resultados práticos de diferentes trabalhos de investigação. Atualmente, já existe um boneco feminino; no entanto, a sua utilização não é necessária nas quatro fases que compõem os testes de colisões automóveis nos Estados Unidos. Além disso, trata-se apenas de uma versão mais reduzida do boneco masculino, não apresentando quaisquer traços fisiológicos que caracterizam as mulheres: ser menor e mais leve, ter ancas e pélvis mais largas, e estar mais perto do volante. Isto significa que o modelo utilizado nos dias de hoje ainda não representa as mulheres, nem contribui com quaisquer benefícios, estando as mulheres destinadas a lidar com consequências potencialmente fatais devido a esta falha em termos de representatividade [1].
Ao longo de vários séculos, as mulheres têm vindo a contribuir significativamente para importantes avanços científicos. Apesar de enfrentarem inúmeros obstáculos, como o viés, a discriminação, e o acesso limitado à educação e a outros recursos, as mulheres persistiram e destacaram-se em diversas áreas científicas. Ao longo da História, foram muitas as mulheres pioneiras que quebraram estereótipos e abriram caminho para futuras gerações. Um exemplo muito conhecido é Marie Curie, uma física e química que levou a cabo investigações inovadoras sobre radioatividade. O trabalho de Curie não só levou à atribuição de dois Prémios Nobel, como também lançou as bases para importantes avanços na física nuclear e na medicina. Para além de Curie, inúmeras outras mulheres contribuíram para a ciência em diversos domínios. O trabalho de Rosalind Franklin sobre o DNA foi fundamental para a descoberta da estrutura de dupla hélice, embora as suas contribuições tenham sido, por diversas vezes, ofuscadas pelo trabalho dos seus colegas do sexo masculino. Ada Lovelace, considerada a primeira programadora de computadores do mundo, lançou as bases para a computação moderna com seu trabalho na Máquina Analítica de Charles Babbage, no século XIX. Poderia dar mais exemplos; mas a verdade é que, e apesar de todo os progressos alcançados nos últimos anos, as disparidades de género persistem em diversas áreas: STEM, financiamento de investigação, cargos de liderança na academia e na indústria.
Quanto a mim, uma jovem investigadora do sexo feminino, tive a sorte de partilhar o meu mestrado com muitas mulheres, fortes e determinadas; e sinto que continuo a ter essa sorte, desta vez no meu doutoramento. As mulheres com quem partilhamos o nosso quotidiano são, sem dúvida, aquelas que mais influenciam a nossa visão do futuro; e são elas a minha grande fonte de inspiração, para continuar a lutar e a alcançar os meus objetivos. No INESC TEC, tenho a oportunidade de explorar um tema que me fascina: o diagnóstico assistido por computador, e contribuir para os avanços na deteção automatizada de doenças torácicas. E é com grande orgulho que refiro que, atualmente, 50% dos membros da equipa do Laboratório de Imagem Biomédica são mulheres – reforçando a minha esperança em relação aos esforços que estão a ser feitos para lidar com as atuais disparidades. É importantíssimo continuar a promover a diversidade e a inclusão, bem como as ações de mentoria e as redes de apoio para as mulheres na ciência.
Voltando ao assunto inicial, gostaria de aproveitar esta oportunidade para mencionar a Dra. Astrid Linde, do National Road and Transport Research Institute da Suécia, que liderou o maior avanço nos testes de colisão de automóveis em 2022, ao criar um modelo de boneco feminino: a melhor – e única – representação da mulher desde o início dos testes de colisão no setor automóvel, há mais de 50 anos [4]. Pessoalmente, desconhecia o trabalho realizado pelo seu grupo antes de escrever este texto, mas estou feliz por ter tido a oportunidade de descobrir, reconhecer e comemorar mais uma conquista das mulheres na ciência. Enfatizar o seu contributo não só honra o seu trabalho, como também serve para inspirar as atuais e futuras gerações de mulheres na ciência, incentivando-as a acabar com os preconceitos. Cabe a todos nós contribuir para esta missão, promovendo um ambiente que valorize a diversidade e a igualdade, de forma a garantir que todas as pessoas possam nutrir a sua paixão pela ciência, contribuindo para o conhecimento e a inovação.