“I’ll be back.” Quantos de vocês mantêm viva na memória a primeira vez que viram o T-800 (ou Terminator)? Estávamos em 1984 quando James Cameron transformou Arnold Schwarzenegger num androide, mudando para sempre a nossa forma de pensar em robôs. Em 1968, Stanley Kubrick já nos tinha apresentado HAL 9000 em “2001: Odisseia no Espaço” e George Lucas, em 1977, trouxe para o nosso imaginário a melhor dupla de robôs de sempre: R2-D2 e C-3PO. Percorremos um longo caminho e, muitos filmes e livros de ficção científica depois, o Iron Man é hoje a referência de excelência quando o tema é robótica.
Quem visita o iiLab – Laboratório de Indústria e Inovação do INESC TEC sabe, à partida, que não é isto que vai encontrar. Mas, atenção! Aqui não se fazem robôs aspiradores. Vamos falar de soluções robóticas inovadoras adaptadas à indústria, capazes de responder aos crescentes desafios do setor. Há braços robóticos e robôs móveis, há inteligência artificial e realidade aumentada, há espaço para a experimentação e formação. Mas há, acima de tudo, ciência e, com ela, muitas ideias. Portanto, não estamos assim tão longe de outros robôs que nos roubaram o coração, como o Wall-E. Vamos viajar juntos?
O ambiente é de contínua atividade. Investigadores reúnem-se à volta de robôs ou (pasme-se!) de um computador cheio de algoritmos, com o objetivo de transformar o mundo. Este é um espaço de demonstração e disseminação, onde os robôs não são as únicas estrelas. Para além da componente científica e de inovação, este laboratório funciona também como uma learning factory onde é possível fazer formação e testar protótipos. Luís Rocha e Héber Sobreira são uma espécie de maestros desta orquestra, mas cada um controla o ritmo da sua secção. Enquanto Luís é o responsável pelos manipuladores robóticos, Héber é o homem dos robôs móveis. Falemos de números: no iiLab colaboram, em permanência, cerca de 30 pessoas. Há uma dezena de demostradores robóticos diferentes e 8 equipamentos de teste. 90% são robôs colaborativos. As soluções? Infinitas.
Os robôs vieram para nos substituir?
A indústria 4.0. mostrou às empresas a necessidade de adotarem tecnologia e criarem mecanismos de comunicação máquina-máquina e máquina-sistema. Já com a chegada da indústria 5.0. o foco passa a estar nas pessoas. Há, cada vez mais, falta de operadores qualificados. De acordo com o estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) “Employmet Outlook 2023”, 27% dos empregos na Europa vão ser afetados pela transformação digital e têm alta probabilidade de serem automatizados. Em Portugal, esta percentagem sobe para os 30%. “Esta mudança de paradigma vai obrigar as empresas a fazerem upskilling (aquisição de novas competências) e reskilling (reciclagem profissional) da sua mão-de-obra, de forma a otimizar a colaboração entre humanos e máquinas em ambientes de montagem e produção. Pode ser difícil aceitar esta mudança. Deixaremos de ter pessoas a trabalhar em processos repetitivos e com baixa densidade tecnológica para passarem a ocupar lugares que exigem maior capacidade criativa e intelectual. Porque, pelo menos por agora, é isso que nos distingue das máquinas: acrescentamos valor ao produto”, justifica Luís Rocha.
Mas afinal que robôs são estes? No iiLab, quase todos são colaborativos: partilham o espaço com o operador, sem, à partida, necessidade de medidas de segurança adicionais. No entanto, a opção entre uma solução de robótica convencional ou colaborativa (e as respetivas medidas de segurança) deve ser avaliada caso a caso. Um dos demonstradores em que o iiLab está a trabalhar é um manipulador móvel colaborativo capaz de fazer o picking de pequenos objetos, considerando um cenário de armazém logístico, e agregá-los em kits prontos a expedir. “Foi um pedido que nos chegou de uma empresa e para o qual usamos o hardware (manipulador robótico) que já temos desde 2014, adaptando e evoluindo os algoritmos para as necessidades desta tarefa concreta. No final, a cadência de operação será mais baixa, quando comparado com operador humano, mas tem a vantagem de executar a mesma de forma autónoma 24h non stop, libertando os operadores para tarefas de maior valor para a empresa e para o próprio. De facto, nós já temos muitas soluções demonstradas para um cenário, mas que podem ser adaptadas, mediante as necessidades do cliente. O que é necessário perceber é que, para garantir a maior flexibilidade e autonomia de um sistema robótico – e, assim, trazer maiores ganhos de eficiência – é essencial garantir a sua integração em pleno com os sistemas de gestão da produção”, explica Luís Rocha.
Héber Sobreira explica como um robô, aplicado à logística e ao transporte de material numa fábrica de etiquetas, acrescentou previsibilidade ao processo produtivo, tornando-o mais barato. “A introdução da robótica e da automação vai forçar a que os processos, em contexto fabril, sejam alterados e se tornem mais eficientes. Não se mete um robô num sítio qualquer à espera que ele funcione por si. O robô obriga a que sejam criados corredores, que devem estar livres, a que os processos ocorram de forma mais estandardizada, a que tudo fique mais arrumado e organizado. Além disso, como estão ligados à rede da fábrica, é possível saber onde estão os produtos, quando foram entregues e em quanto tempo de forma automática e imediata”. De protótipo a solução comercial, o Zhello, um robô movel capaz de fazer atracagens, é outro exemplo da capacidade criativa deste laboratório.
A formação é o caminho para a competitividade e inovação
Maior rentabilidade, diminuição do erro, aumento da capacidade de escala e maior produtividade são só alguns exemplos das vantagens da utilização da robótica industrial. Em Portugal, a indústria é muito tradicional e ainda não há muitos robôs colaborativos instalados em unidades fabris. As empresas (sobretudo as pequenas e médias) não abraçaram por completo a digitalização, quer pelo elevado investimento quer pelo desconhecimento. “No futuro, vai haver mais automatização e mais robôs e será preciso que os trabalhadores invistam em novas competências. O INESC TEC pode desempenhar um importante papel aqui através dos seus laboratórios, que funcionarão como learning factories, nomeadamente ao nível do reskilling e upskilling”, refere Luís Rocha.
Não pensem, por isso, que no iiLab só se fazem robôs. Se estão à espera de encontrar apenas cientistas de bata, pensem duas vezes. O laboratório funciona como infraestrutura de testes para demonstrações de diversas aplicações, destacando a versatilidade e a adaptabilidade da tecnologia robótica, e como local de formação e capacitação das empresas e de mão-de-obra qualificada.
“Nós conseguimos criar aqui o fluxo de uma micro fábrica com zona de armazenamento, de montagem, de acabamento, de controlo de qualidade e de expedição onde vamos demonstrando estas tecnologias que surgiram no âmbito da indústria 4.0 e 5.0., num cenário controlado. A empresa consegue identificar-se com os desafios e as soluções que apresentamos. Por outro lado, as empresas podem usar a nossa infraestrutura e o nosso know-how para testar o seu produto. Queremos ter um papel importante no teste preliminar de soluções e até contribuir para o seu amadurecimento”, sublinha ainda Luís Rocha.
Héber Sobreira vai mais longe: “Muitas empresas já tiveram soluções robóticas no passado e não correram bem. O INESC TEC quer ajudar a que tenham uma experiência positiva. Há muitas empresas que tem interesse em ter as suas próprias soluções e produtos de robótica e há problemas que necessitam de respostas personalizadas e robôs customizados. Nós podemos ajudar! A maior parte das nossas soluções nasce dos projetos europeus, por isso conhecemos as dores das empresas”.
Os nossos robôs não aspiram, mas navegam!
Com exceção da azáfama que esperamos encontrar numa fábrica, uma visita ao iiLab permite-nos, de facto, experienciar um ambiente industrial. Desde paletização automatizada à inspeção de peças por meio de visão artificial, cada demonstração é um vislumbre do potencial da robótica aplicada a esta área.
Nos robôs móveis, o segredo está na navegação. Os robôs têm de ser capazes de se localizar no espaço, coordenar os movimentos com outros robôs, desviar-se de obstáculos. Hum…onde é que já ouvimos falar disto? “Para mim, um robô que não tem capacidade de navegar, não é um robô. As pessoas podem usar o argumento de que já têm um robô aspirador em casa que navega. Mas o que fazemos aqui, vai muito além dos robôs aspiradores. Já conhecemos as soluções comerciais e sabemos onde elas falham. O que tentamos fazer é desenvolver soluções mais robustas, mais rápidas e mais capazes”, defende Héber Sobreira.
Os robôs industriais que ficámos a conhecer estão programados para executar tarefas com precisão e eficiência. No entanto, (ainda!) não têm olhos para observar o que os rodeia. É aqui que entra a visão artificial, uma tecnologia que permite que os robôs “vejam” e compreendam o ambiente. Imaginem um robô a montar peças numa linha de produção. Ele foi pré-programado para realizar um conjunto específico de operações. No entanto, o operador deve supervisionar criticamente o processo para garantir que tudo está a ser feito corretamente. Mas e se o robô pudesse fazer isso sozinho?
“A inteligência artificial (IA) é a chave. A robótica tira muito partido dos dados. As empresas que têm dados dos processos disponíveis permitem o uso de algoritmos de IA que auxiliam o robô, nomeadamente ao nível do planeamento da sua operação, identificando o produto, adaptando a sua trajetória e ferramentas a utilizar. Como é que um robô se move para pegar num objeto? Como garantimos que pega no mesmo com precisão? Combinando modelos e inteligência IA, o robô será capaz de pegar em peças que nunca tenha visto e até analisá-las. Portanto, a tecnologia de ponta dos nossos robôs não é visível”, refere Luís Rocha.
A introdução da IA é benéfica, mas levanta ainda muitas dúvidas. “Nós conhecemos e percebemos o software, os programas e o código fonte porque foram criados por nós. Quando a IA tiver essa capacidade, deixaremos de ter domínio sobre a tecnologia, porque as decisões são tomadas de forma totalmente autónoma pelas máquinas”, acrescenta Héber. É aqui que entra o “Regulamento Inteligência Artificial da União Europeia”, a primeira lei de sempre em matéria de inteligência artificial, que visa garantir que os sistemas de IA são seguros e cumprem a legislação. Mas isto (quem sabe) é tema para outro Spotlight.
Robôs criativos: mito ou realidade?
A introdução da robótica na indústria veio da necessidade de produzir em massa (executando, à exaustão, processos repetitivos). Hoje, caminhamos no sentido oposto. Entramos na era da customização. A robótica já não se limita apenas aos setores mais tradicionais, como o automóvel. Indústria naval e da construção, setor têxtil e do calçado, são áreas onde a robótica começa a ganhar terreno.
“A digitalização é essencial para o robô compreender as tarefas que tem de executar, reconhecer os produtos que estão na sua estação de trabalho, e receber e dar ordens, de forma automática. Mas nem todos os processos podem ser automatizados, nem os robôs são ainda capazes de personalizar produtos”, esclarece Luís Rocha. Voltando ao têxtil, poderá um robô costurar? “Há máquinas de costura altamente sofisticadas, e o operador só as tem de alimentar com matéria-prima. Mas o robô ainda não consegue substituir a mão humana nesta simples ação, nem manipular materiais flexíveis. A robótica ainda não é suficiente madura para entrar na área do têxtil e há ainda longo caminho a percorrer”.
Héber Sobreira confessa que criar robôs é um desafio, mas nem sempre há espaço para a criatividade. “Nós estamos muito orientados para projetos, mas é claro que gostaríamos de ter tempo para as nossas próprias criações e para explorar ideias “fora da caixa”. O INESC TEC, no âmbito de um programa de financiamento para projetos internos – Seed Projects -, já nos permite explorar algumas ideias. Temos, por exemplo, apostado muito nos quadrupedes que é algo que pode ter potencial, em áreas como a vigilância. O que eu gostava mesmo? Trabalhar na área dos exoesqueletos”.
É verdade que ainda não temos robôs humanoides para nos guiar numa visita como a que fizemos ao iiLab, mas não deixemos de sonhar com um futuro onde os robôs deixarão de ser simples máquinas. À saída, fica-nos na cabeça uma frase: “Hasta la vista, baby”.