O Serviço de Administração e Sistemas dorme de olho meio aberto. É quase a caixa negra do INESC TEC e André anda de volta dela há mais de 20 anos. A história começa muito antes do primeiro dia “a sério”. Recentemente, um apagão alumiou trabalho que corre quase sempre no “background”. As tarefas a correr em simultâneo amontoam-se e, pelo meio, há que dar resposta a centenas de pedidos. Acumulam-se histórias “de rir e chorar”, que convém guardar – ficam para outra conversa.
No primeiro dia de INESC – nos tempos de INESC Norte – , André fez o caminho até ao Largo de Mompilher, chegou à secretária e ligou o computador, mas nem chegava com os pés ao chão. Repetiu várias vezes: ia direitinho a um dos Macintosh do escritório, disparava o jogo da forca no computador e a hora de almoço chegava a correr. De repente, o dia estava feito: missão cumprida com sucesso, restava contar as horas para poder voltar a fazer o mesmo.
O primeiro dia – “a sério”, a chegar com os pés ao chão – só em 2003. Agora, André Freitas integra o Serviço de Administração de Sistemas (SAS) do Instituto. Sem as “férias” em Mompilher, quando chegava ao escritório com Regina Freitas, a mãe, tudo seria diferente: “Acho que foi por causa desses verões que comecei a gostar de computadores”.
Há muito pouca história de INESC TEC antes de a mãe de André lá chegar, em 1985. Regina passou mais de 20 anos na instituição. O recém-nascido INESC Norte era assunto de família e fazia caminho até André todos os dias, quando Regina regressava a casa, na Foz. No verão, quando tinha nove anos, saía de casa em direção ao centro do Porto, a antecipar pelo caminho o dia à volta de disquetes e o recreio feito de passeios na baixa, com um lugar à mesa no Restaurante Ernesto ou na Pizaria Celeste. Foi assim durante muitos anos. Ainda apanhou um par de festas de Natal organizadas pelo Instituto, nos anos 90, na baixa do Porto, onde se recorda de ter desembrulhado uma guitarra e um globo.
Um autodidata com “sorte”
Chegaram os anos 2000 a latitude do INESC muda. É na paragem da Asprela que volta a apanhar uma carreira com cada vez mais gente. O reencontro aconteceu por acaso. “Foi tudo muito fácil”, resume. O curso em informática no CESAE chegava ao fim e um protocolo estreitava a linha para o INESC. Só que a “cadeira” estava ocupada: “Desta vez, não havia sítio para mim. Como era estagiário, passei muitos meses na sala de vidro – o aquário – que era o Data Center antigo”. Isto quando o serviço existia como Departamento de Comunicações e Informática (DCI) e André era helpdesk e tinha o Pentium II a rolar na máquina – “não davam Pentium IV aos estagiários”, pontua.
Foi como um regresso a casa – e a parte da infância. Volta a encontrar João Neves, António Carlos, José Carlos Sousa e Fernando Sousa – que provavelmente estavam lá quando André se encontrou com o primeiro computador, em Mompilher. “Quando a minha mãe comprou o primeiro computador para a casa, eu aprendi mesmo muita coisa sozinho. E depois, com a ajuda dele, ainda aprendi muito mais. Foi o Fernando que me ajudou em muita coisa aqui. Nós, os informáticos, somos todos um bocado autodidatas”.
Agora, olha para trás e acha que teve “sorte”. Reencontrou amigos, fez novos, e, pelo meio, deu de caras com a companhia certa para um futuro com filhos à mistura – este encontro foi o “expoente máximo” da experiência INESC TEC. A travessia tem sido rica e André não descarta que parte do capital afetivo da mãe (Regina é mencionada por praticamente todos os convidados desta rubrica), tenha acabado por verter para ele uma boa dose do carinho que foi encontrando. “A malta tratou-me bem. Por isso, se calhar, foi mais fácil para mim sentir-me bem.”
Desligar e ligar
Com o INESC TEC a engordar, as notificações não dão descanso e não há trabalho “das nove às cinco” para os quatro informáticos do serviço e três do Serviço de Redes e Comunicações, que atam e desatam nós de uma comunidade com quase 2000 membros. Isso traz desafios. “O problema do nosso trabalho é que há certas coisas que eu não posso fazer durante o dia, porque é disruptivo para os outros. Não podemos fazer a manutenção aos servidores em horário laboral, por exemplo”, frisa.
Os dias não se repetem – e, como se não bastasse, são habitualmente pontuados pelo rodopio de computadores a pedir, não raras vezes, o simples reinício, o bastante popular no meio “desligar e ligar”. Depois, há noites que tem que se lhe digam. “Houve aí uns fins de semana chatos”, recorda, a propósito de um ataque de phishing obrigou a “algumas noitadas”. “Houve madrugadas em que íamos estando acordados para tentar perceber que contas é que ele estava a comprometer no momento”.
É o tipo de problemas resolvidos na sombra, nos “bastidores”, para garantir que a “máquina” está pronta para o que aparecer. Raramente há trabalho que deixa a “sombra”, mas quando aparece é a valer. Exemplo: o colapso do sistema elétrico ibérico, “o maior teste” de André nos mais de 20 anos de casa. “De tudo o que eu já tive de passar aqui, desde máquinas comprometidas, a todo o tipo de erros, de vulnerabilidades, este foi o pior de todos”. Porém, na manhã que se seguiu, era como se o país não estivesse estado às escuras o dia anterior.
André foi um dos que passou a noite na Asprela a reiniciar sistemas, de forma estratégica, “ligando” paulatinamente serviços críticos. “O e-mail começou a funcionar logo durante a madrugada, conseguimos pôr em cima o que era importante e crítico a funcionar, para o pessoal ter acesso quando viesse cá trabalhar no dia a seguir”. Correu bem “porque os sistemas estão preparados para isto, e nós estávamos preparados para que acontecesse uma coisa deste género, e tínhamos alternativas. Acho que foi a coisa que me deu mais luta cá no INESC TEC”.
Crescer lado a lado
E o que é que se faz depois de um dia como este? A mesma pergunta há uns anos e a resposta seria simples: pegar num skate e rolar no alcatrão da marginal de Gaia. A prancha é uma evolução natural da cultura de rua que conheceu onde nasceu, na Foz Velha, em 1980. É nas ruas da Foz que apanha a “febre dos patins em linha”. “Andei anos e anos. Houve uma espécie de febre, na marginal da Foz e Nevogilde. Andei até começar a trabalhar; ou seja, praticamente até aos 20 e tal anos”.
Agora, a réplica já não seria tão fácil: o tempo é para as duas crianças que tem em casa; mas a Foz continua a chamar. “É completamente diferente do resto da cidade” e até na luz dos candeeiros André vê razões para voltar – a chamada só se compara à do Estádio do Dragão, para o portista desde “o ano da primeira Champions”. Para já, o INESC TEC também vai dando bastantes motivos para que volte.
É que “há coisas que ficam”. “Um dos momentos que guardo com mais carinho foi, aquando da celebração dos 20 anos, em que que homenagearam a malta mais antiga. Era o Pedro Guedes de Oliveira, o presidente, e homenagearam a minha mãe, pese embora já tivesse falecido, foi um gesto muito bonito”, sublinha. A ligação afetiva nunca esmoreceu e sempre foi fácil sentir-se em casa. A receita é simples: “Sempre gostei do INESC. E isso não é difícil, porque cresci com ele”.