Fazer escolhas a pensar no futuro

A questão dos novos programas de financiamento e das oportunidades deles resultantes já foi endereçada nos dois últimos editoriais, pela Marta Barbas e pelo Luís Seca. Correndo o risco de parecer pouco original, acho que se justifica voltar ao tema, abordando, no entanto, uma vertente diferente.  

Quem anda nestas lides há muitos anos, lembra-se do período em que os programas nacionais eram mais atrativos do que os europeus. Para além disso, estávamos ainda a atravessar um período de capacitação, para conseguir competir e colaborar com os melhores a nível europeu. Nessa fase, a mobilização dos investigadores e das empresas, para a participação nos programas europeus, era difícil, porque as alternativas nacionais eram, pelo menos aparentemente, melhores e mais fáceis. 

Ao longo dos anos, este cenário foi-se alterando de forma significativa. Os programas europeus tornaram-se muito mais atrativos, com taxas de financiamento de 100%, mesmo para as empresas, com processos mais simples, rápidos e menos burocráticos, com previsibilidade das calls, etc. Complementarmente, as entidades nacionais e os seus investigadores foram conquistando um espaço próprio, tornando-se referências e parceiros preferenciais em várias áreas. 

Os resultados desta evolução estão à vista, quer a nível nacional (Portugal aumentou consideravelmente a sua participação, tornando-se beneficiário líquido dos programas europeus de I&D), quer no caso específico do INESC TEC (com uma participação crescente nos programas e iniciativas europeus e com a aposta na criação do INESC BRUSSELS HUB). 

No entanto, o lançamento cumulativo do PRR e do PT2030 pode alterar este panorama. Complementarmente, a anunciada alteração para 100% da taxa de financiamento do PRR, para entidades do sistema científico e tecnológico, pode levá-las a redirecionar novamente as suas atenções e recursos sobretudo para os programas nacionais. 

Embora uma mudança destas possa parecer natural e adequada, ela acarreta consequências e riscos sérios no médio e longo prazo, nomeadamente: 

  • O PRR tem uma duração muito limitada e os fundos estruturais irão reduzir-se gradualmente, acompanhando o desenvolvimento do País. Após esse período, os programas europeus tornar-se-ão uma fonte de financiamento ainda mais importante e quem não estiver capacitado para uma participação eficaz e eficiente poderá ficar numa situação fragilizada. 
  • Só através de uma participação ativa e consistente nas iniciativas europeias é possível contribuir para a definição de um conjunto relevante de políticas e de programas de financiamento, particularmente as designadas parcerias público-privadas.  
  • A participação nos programas europeus significa muito mais do que o acesso aos fundos: é também a integração em redes, a vigilância tecnológica, a internacionalização, a formação daí resultante, o benchmark, etc. 
  • Depois de atingido um nível razoável de capacitação, a aprendizagem e a convergência fazem-se sobretudo colaborando e competindo com os melhores, ou seja, jogando na Liga dos Campeões, e não apenas no Campeonato Nacional. 

É fundamental, por isso, garantir que aproveitamos as oportunidades atuais, mas também preparar o futuro, reduzindo, gradualmente, a nossa exposição relativa aos fundos estruturais. 

Neste contexto, vai ser preciso tomar decisões corajosas, optando por alocar uma parte relevante dos nossos recursos a oportunidades e projetos mais exigentes (europeus), face a outros, nacionais ou regionais, aparentemente melhores (mais próximos, mais fáceis, etc.). Mas isso não vai ser fácil, porque as tentações e as pressões vão ser grandes, como ficou demonstrado no concurso das Agendas do PRR. 

Cabe também aos agentes públicos reconhecerem a importância desta aposta, criando incentivos que induzam os comportamentos pretendidos no ecossistema, por exemplo, utilizando o montante de fundos angariados nos programas europeus como fator relevante na avaliação das instituições e/ou criando mecanismos de financiamento indexados a essa angariação, tipo matching funds, como acontece noutros países. 

Fruto do trabalho que tem vindo a desenvolver, o INESC TEC ganhou capacidades e credibilidade tais que lhe permitem fazer escolhas quanto às suas principais fontes de financiamento. Saibamos fazê-las pensando também (ou sobretudo) no futuro. 

José Carlos Caldeira, Administrador

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