De 1985 a 2023: Como se contam os 38 anos de história do INESC TEC

Passaram 38 anos desde que o INESC abriu uma delegação no Porto, começando assim o percurso que conduziu ao atual INESC TEC.

O que mudou para além de eu ter agora mais 38 anos que na altura?

Em primeiro lugar, em 1985, o INESC era visto como uma iniciativa de rutura com a hierarquia universitária que entendia não poder entregar o poder a jovens doutorados que iriam ser dotados de meios com que a Universidade nem podia sonhar. A Universidade era, então, extremamente pobre em laboratórios ou técnicos de suporte e não dispunha de meios informáticos suficientes. A sua estrutura era muito hierárquica. Por outro lado, o INESC prometia uma gestão diversa, baseada na competência demonstrada, e trazia a promessa de meios significativos para criar laboratórios bem equipados e uma infraestrutura informática, o que só seria possível criando um espaço com gestão separada da universidade. Na época, o INESC foi pioneiro, visto com desconfiança e combatido a vários níveis embora tivesse também defensores dentro das universidades. Hoje está estabelecido, cresceu, consolidou-se e é visto como um caso de sucesso tendo o seu modelo, com adaptações, sido adotado por outras instituições de I&D criadas em diferentes áreas!

Em segundo lugar, e na altura, era necessário um grande investimento, pois não bastava financiar a atividade, mas também a montagem das instalações e de toda a infraestrutura de suporte, razão pela qual o financiamento do projeto de arranque, aprovado para durar quatro anos, o projeto SIFO, correspondia a uma fração importante do orçamento anual do país para toda a investigação! Isso colocava sobre a equipa inicial, em que me incluía, com responsabilidades acrescidas por estar na direção, um grande desafio. No que me diz respeito, esta pressão reduziu quando visitei o centro de investigação da Siemens, em Munique, e verifiquei que a verba de investigação que na altura investiam era correspondente a quatro vezes a verba para os quatro anos do projeto, mas por cada dia útil! Entretanto, Portugal evoluiu imenso depois de Mariano Gago ter a habilidade política de colocar a investigação como área prioritária para o desenvolvimento, e hoje a diferença entre as universidades e o INESC TEC a este nível não existe. Há diferenças na forma como gerimos os recursos, mas essa discussão não cabe neste editorial.

Em terceiro lugar, o financiamento veio do setor das comunicações. Os operadores públicos de telecomunicações e correios, então TLP (Telefones de Lisboa e Porto), Marconi (Companhia Portuguesa Rádio Marconi) e CTT (Correios e Telecomunicações de Portugal), com apoio da Secretaria de Estado das Comunicações, garantiram em conjunto o financiamento do projeto SIFO, que nos obrigava a realizar um piloto de comunicações para a rede local, em fibra ótica, incluindo telefonia, rádio e televisão digitais, segundo as normas em desenvolvimento naquela época. Para além dos serviços digitais serem uma novidade a ser testada e normalizada em todo o mundo, não havia entre nós experiência no desenvolvimento de sistema de comunicação em fibra ótica, nem estas estavam instaladas – a não ser nas redes de interligação, de tráfego muito elevado, pois os custos e complexidade de instalação não permitiam que fosse utilizada na periferia das redes. O projeto colocava-nos por isso um enorme desafio. Importa referir aqui uma grande diferença que existia na altura que tornou possível esta aventura. Os operadores de telecomunicações eram monopolistas e essa situação fazia com que tivessem obrigações de apoio à indústria e ao I&D nacionais; e foi por essa via que o financiamento do projeto foi conseguido. A lógica defendida era de que o INESC iria colocar a massa cinzenta das universidades ao serviço de projetos identificados pelos operadores, sendo que estes, em contrapartida, financiavam os meios necessários. Hoje, com operadores privados e concorrenciais nada disso seria possível. A investigação perdeu também a maior parte dos seus interlocutores na indústria nacional, em resultado do estabelecimento de regras de mercado aberto. A ideia inicial de transferir os resultados do projeto SIFO para a indústria nacional acabou por ser abandonada, pois Portugal foi incluído, na companhia dos restantes países europeus, num acelerado processo de desregulação e liberalização das comunicações e de abertura dos mercados.

Em quarto lugar, lembro-me bem da ansiedade que sentia dada a dificuldade em resolver os desafios técnicos e científicos que o projeto nos colocava. Havia imenso a aprender, começando pelas áreas da codificação digital de áudio e vídeo, pelos sistemas de comunicação em fibra ótica de alto débito, pela comutação e pela eletrónica rápida necessária, tudo isto para além de acompanhar as normas e desenvolver sistemas para a implementação das redes locais com integração de serviços. Naquele tempo, televisão digital com qualidade adequada para distribuir ao consumidor significava um débito de 140Mbit/s (em estúdio muito mais, pois o MPEG só veio a surgir anos depois – aliás, com a nossa participação, aproveitando a experiência ganha no projeto!). Para conseguir desenvolver o piloto era necessário conseguir pessoas capazes e estabelecer parcerias internacionais que permitissem criar as competências necessárias para investigar e construir os sistemas eletrónicos necessários. Conseguimos captar boa parte dos alunos que então se formaram e assim responder ao que nos pediam com sucesso. A aprendizagem fez-se com parcerias com instituições como o CERN, diversas universidades e centros de investigação, processo mais tarde acelerado com a chegada dos projetos europeus. Muitos doutoraram-se e ainda cá estão e foram a base de muitos dos grupos de investigação atuais, a trabalhar, por vezes, em áreas diversas daquelas em que iniciaram a sua ligação ao INESC. Outros são amigos colocados noutras instituições e na indústria.

Em quinto lugar, quero salientar a forma como os operadores financiaram os laboratórios. Estes não exigiram que o seu uso fosse destinado apenas a trabalho em projetos seus. Isso permitiu o nascimento de outras áreas, destacando-se então a gestão de energia e o software, com particular relevo para o processo de digitalização das autarquias. Esta postura não seria fácil de conseguir, assim, sem contrapartidas, nas empresas mais competitivas do presente. Bem sei que os operadores sabiam que a digitalização iria gerar tráfego de dados que reverteria a seu favor, mas mesmo assim a posição de grande abertura que tomaram foi inteligente e bem aproveitada por nós.

Em sexto lugar uma diferença enorme no tipo de trabalho que fazíamos. Na altura toda a experimentação exigia a produção de sistemas eletrónicos, placas e circuitos, o que determinou uma infraestrutura laboratorial muito diferente das nossas necessidades atuais, uma vez que agora tudo se faz com sistemas digitais, programáveis e flexíveis. A própria natureza da experimentação mudou substancialmente, fazendo-se agora por simulação de projetos que na altura exigiam a construção de equipamentos. Os desafios da eletrónica colocam-se hoje a outros níveis – maior integração, nanotecnologias, altíssima velocidade, consumo muito reduzido, etc.

Finalmente um comentário por algo que me faz sentir, apesar de tudo, triste. Não sabíamos que estávamos a fazer história e não registamos de forma minimamente satisfatória os momentos mais marcantes deste processo de nascimento. Não temos sequer registos fotográficos das instalações laboratoriais que instalámos em espaço cedido pelos TLP na rua José Falcão na fase inicial, mas que depressa foram transferidos para outros locais à medida que o grupo foi crescendo. Tudo isto devido a mais uma diferença e grande: na altura não havia Internet, nem sequer o email era generalizado, nem havia telemóveis baratos de uso generalizado e, muito menos, telemóveis que tirassem fotografias! O JPEG não tinha sido inventado, pois foi normalizado em 1992!

Para terminar gostaria de referir que, depois da criação do INESC no Porto, houve um momento muito importante para a consolidação que conduziu ao atual INESC TEC: a criação do INESC Porto como instituição independente, capaz de gerir os seus destinos, mas mantendo a sua ligação ao INESC inicial, criando-se então aquilo a que se tem chamado “O Sistema INESC”. Foi importante pois criarmos condições para podermos gerir o nosso caminho autonomamente. Isso aconteceu em 18 de dezembro de 1998, já vai fazer 25 anos, e a partir daí a instituição cresceu e ultrapassou todas as restantes instituições entretanto criadas no Sistema INESC. Estive na direção inicial, mas quero assinalar o extraordinário desempenho de todas as que se seguiram que tão bem conduziram a instituição. Esta é uma data importante que merece também ser comemorada.

Dito isto, que fique claro que não pretendo reduzir a importância de todo o contributo do INESC e do muito que herdamos dele, em particular, a cultura e os meios que nos permitiram iniciar atividade no Porto. A autonomização deu-nos condições para desenvolver uma estratégia adaptada à nossa realidade, afirmando-nos e correndo riscos, mas recebendo os louros por aquilo que soubemos fazer bem. Viva o INESC TEC e todos o que o construíram e continuam a construir!

Artur Pimenta Alves, Diretor Associado

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