Como será o mundo em 2050? Simpósio promove discussão sobre bioengenharia e o seu papel no futuro

Como podemos envelhecer de forma mais saudável e socialmente ativa? Como podemos antecipar, prevenir e tratar doenças infeciosas? Como pode a tecnologia potenciar os cuidados de saúde? E como podemos garantir a sustentabilidade e a segurança da alimentação? Estas foram algumas das principais questões em discussão no simpósio “The Bioengineering – One Health Alliance in 2050: A One-Day Voyage into the Future”, que procurou explorar o papel da bioengenharia na resposta a desafios societais. 

O INESC TEC juntou-se ao Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salar da Universidade do Porto (ICBAS), ao Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) e ao Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CIBB) na organização conjunta de um evento que teve como objetivo lançar o debate sobre o futuro.   

Com os olhos postos em 2050, as previsões de várias organizações focam-se em diferentes tópicos, como as tendências demográficas, o impacto do envelhecimento na saúde, as doenças infeciosas, a disponibilidade e a qualidade dos alimentos, ou as tecnologias digitais. Tendo em mente que estas questões tocam diferentes setores da sociedade e considerando a bioengenharia como uma área transversal, que poderá servir de ligação entre vários domínios científicos, o simpósio reuniu um conjunto de 50 especialistas convidados, em representação de vários quadrantes da sociedade, para perspetivar o futuro, olhando ao passado e ao presente, e potenciando uma discussão alargada sobre o tema. 

 

Como podemos envelhecer de forma mais saudável e socialmente ativa? 

Num painel que contou com a participação de Teresa Rodrigues (Universidade Nova de Lisboa), Jennifer Elisseeff (Universidade Johns Hopkin), Tiago Outeiro (Centro Médico Universitário de Göttingen) e Bruno Jesus (iBiMED), tendo como chair Lino Ferreira (Universidade de Coimbra), foram abordados tópicos como demografia, imunologia regenerativa, envelhecimento, doenças neurodegenerativas e reversão do processo de envelhecimento.  

Na discussão moderada por Teresa Firmino (Jornal Público), o painel refletiu sobre as mudanças demográficas, sobretudo as que se verificam em países desenvolvidos, como é o caso de Portugal, onde se assiste a um envelhecimento da população, em resultado de um decréscimo da população mais jovem e de um aumento generalizado da esperança média de vida. Ciclos de vida mais longos impactam os sistemas de saúde, acarretam desafios para os sistemas contributivos, implicam a criação de condições para que as pessoas possam viver de forma mais ativa e autónoma e trazem para o debate aspetos como a necessidade de rever a relação idade/trabalho ou a prevalência de doenças relacionadas com a idade. 

Painel abordou tópicos como demografia, imunologia regenerativa ou doenças neurológicas

Além disso, foi lembrado pelo painel que, no caso das sociedades envelhecidas, doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson, têm vindo a aumentar a sua prevalência e as perspetivas quanto ao futuro indicam que a tendência será para que mais pessoas sejam diagnosticadas com estas doenças. Nesse sentido, a tecnologia pode desempenhar um importante papel – através, por exemplo, do uso de smartphones ou smartwatches – não só apoiando a monitorização de sintomas, mas também fornecendo informação e aumentando o conhecimento sobre doenças neurológicas. 

Na tentativa de garantir que as pessoas possam envelhecer com qualidade, acrescem ainda os esforços no campo da bioengenharia, nomeadamente, o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido na área da regeneração e crescimento de tecidos, através do uso de biomateriais, levantando-se uma série de perspetivas sobre a utilização futura de abordagens semelhantes para “modular o sistema imunológico”, de forma a potenciar a regeneração de tecidos, assim como alguns estudos com recurso a telómeros de ratos, que mostraram resultados promissores na recuperação da capacidade regenerativa em animais mais velhos.  

 

Como podemos antecipar, prevenir e tratar doenças infeciosas? 

As lições que retiramos da pandemia de Covid-19 e a forma como esse conhecimento poderá moldar uma resposta a um cenário pandémico futuro foram o principal mote da discussão que reuniu Rogério Gaspar (Organização Mundial de Saúde), Maria João Amorim (Instituto de Ciência Gulbenkian) e Raquel Duarte (ICBAS). Com moderação de António Granado (Universidade Nova de Lisboa), o painel, que teve como chair Fabíola Costa (SWORD Health), discutiu como se podem antecipar, prevenir e tratar doenças infeciosas, olhando ao exemplo da Covid-19, que veio trazer uma novidade face a outros surtos pandémicos – a capacidade de mobilização da sociedade, num esforço conjunto de combate à doença.  

Lições que retiramos da pandemia de Covid-19 serviram de mote à discussão

Na resposta à pandemia, a Organização Mundial de Saúde reuniu mais de 70 países, num total de mais de uma centena de entidades governamentais, e geriu mais de 500 processos regulatórios. Apesar das desigualdades verificadas a nível mundial não só na gestão da pandemia como no acesso às vacinas por exemplo, esta resposta traduziu-se num conjunto de ensinamentos que poderão vir a ser úteis em contextos pandémicos futuros, desde logo em relação a aspetos como vigilância e preparação, dinâmicas de transmissão de vírus, diagnóstico e tratamento, comportamentos e atitudes públicas ou principais barreiras e desafios à prevenção de surtos. 

Nesse sentido, prevenir, detetar e curar são as três palavras-chave para uma reação futura, sendo que parece haver consenso quanto ao aparecimento de uma nova pandemia. Além disso, neste painel discutiu-se a forte probabilidade de um novo surto provir de animais, sem esquecer o impacto que as alterações climáticas e os seus efeitos têm no surgimento e proliferação de doenças. Foi mesmo dado como exemplo o impacto de inundações em países como o Paquistão, onde e verificou um aumento do número de mosquitos e, consequentemente, das doenças por eles transmitidas.  

Também a coordenação entre organizações – públicas, privadas e sociais – parece ser um aspeto fundamental na definição de estratégias comuns e na resposta às desigualdades que se verificam entre países. A comunicação e a informação foram igualmente pontos levantados pelos membros do painel como sendo cruciais, reforçando a importância de apostar na literacia e relembrando que Portugal foi dos poucos países a manter uma informação diária sobre a evolução da Covid dirigida às populações.  

 

Como pode a tecnologia potenciar os cuidados de saúde? 

A pandemia veio reforçar a importância de aspetos como o acesso a cuidados de saúde universais, o contributo da partilha de dados para a melhoria das políticas públicas e o potencial da digitalização da saúde. O painel que contou com a participação de Harro van Lente (Universidade de Maastricht), Ana Sofia Carvalho (ICBAS), Fernando Correia (SWORD Health), Carme Carrion Ribas (Universidade aberta da Catalunha) e moderação de Vanessa Ribeiro Rodrigues (Jornal Observador), e que teve como chair Daniel Vasconcelos (INESC TEC), refletiu sobre o potencial da saúde digital – considerada já um novo paradigma – assim como as principais barreiras e desafios que enfrenta.  

Painel refletiu sobre o potencial da saúde digital

A saúde digital permite, segundo os especialistas, uma abordagem mais centrada na pessoa, ao mudar o foco da doença para o utente com a doença, colocando a pessoa no centro do processo e entendendo a tecnologia não como um fim, mas como um meio para melhorar o bem-estar. Se por um lado, esta abordagem exige uma aposta no desenvolvimento de competências que potenciem e facilitem a relação médico/utente, por outro, um futuro apoiado pelas tecnologias, com cuidados de saúde prestados à distância, pode significar perdas ao nível do contacto humano. 

Ainda assim, parece certo, por exemplo, o contributo da Inteligência Artificial na personalização dos cuidados médicos ao permitir o tratamento e análise de uma grande quantidade de dados – que se estima que seja ainda maior em 2050. Neste contexto, e no caminho da digitalização da saúde, os dados assumem um papel central não só ao permitirem a personalização dos cuidados, mas impulsionando o surgimento de novas terapias e a medicina preditiva, e facilitando a tomada de decisão.  

Além de enfrentar barreiras como a heterogeneidade dos sistemas de saúde ou os custos associados à tecnologia, a saúde digital encontra também uma série de desafios, desde logo, do ponto de vista ético, da literacia digital e da igualdade no acesso às soluções tecnológicas – até no acesso à Internet, por exemplo, podendo aumentar as desigualdades entre os países. Desta forma, o painel sublinhou a importância da transparência e da informação, assim como da literacia e das competências digitais, já que a redução das desigualdades será fulcral para a promoção da saúde digital.  

 

Como podemos garantir a sustentabilidade e a segurança da alimentação? 

Num painel com a participação de Tiago Santos Pereira (Universidade de Coimbra), João Pedro Conde (INESC MN), Joana Silva (Universidade Católica) e Luísa Valente (CIIMAR e ICBAS), com moderação de Andreia Azevedo Soares (Jornal Público), e que teve como chair Eduardo silva (Universidade da Califórnia), discutiu-se a forma como os desenvolvimentos na área de bioengenharia podem contribuir para aumentar a qualidade da alimentação e, ao mesmo tempo, garantir a proteção de plantas e animais contra possíveis doenças, promovendo a segurança dos processos agrícolas e o surgimento de fontes de alimentação alternativas.  

Discussão sobre a forma como a bioengenharia pode contribuir para aumentar a qualidade da alimentação

Entre as principais conclusões destaca-se a necessidade de olhar ao aumento das desigualdades e da pobreza a nível mundial, o que coloca grandes desafios no acesso à alimentação. Do ponto de vista tecnológico têm-se verificado avanços com impacto na nutrição, consumo e produção de alimentos, o que tem levado a mudanças nos padrões de alimentação. Ainda assim, é evidente a necessidade de se procurarem fontes alternativas, sustentáveis e responsáveis, sobretudo numa altura em que o consumo de proteína aumenta de forma significativa. Neste campo, é reconhecida a importância da tecnologia não só para tornar os processos produtivos mais eficientes, mas também para aumentar a biodisponibilidade dos nutrientes, assim como a segurança dos alimentos.  

Sobre esta temática, foram mesmo apresentadas soluções tecnológicas, como biossensores, que podem levar a que um produtor perceba, por exemplo, se está a regar em demasia os seus cultivos. Por fim, foram ainda levantadas questões sobre a premência em se reduzir o desperdício alimentar, consumindo menos e com melhor qualidade, a necessidade de se clarificarem aspetos legislativos e a relação das pessoas com a alimentação – que poderá afetar o consumo e a aceitação de alternativas alimentares. 

O simpósio “The Bioengineering – One Health Alliance in 2050: A One-Day Voyage into the Future” decorreu na Galeria da Biodiversidade – Centro Ciência Viva do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto (MHNC-UP), no final do mês de outubro. As conclusões do simpósio darão origem oportunamente a um White Paper, de forma a partilhar o resultado das diferentes discussões com um público mais alargado, promovendo, assim, o seu envolvimento nestas temáticas. Em representação do INESC TEC, a organização deste Simpósio contou com o envolvimento de Daniel Vasconcelos, responsável pelo Serviço de Apoio ao Licenciamento (SAL) – um dos cinco mentores desta ideia, a par de Mário Barbosa e dos outros três chairs, de Joana Coelho, responsável pelo Serviço de Comunicação (SCOM) e de Pedro Fonseca, designer no SCOM.  

 

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