Das baterias aos resíduos perigosos: como esta tecnologia laser pode impulsionar a economia circular

Investigadores portugueses usam tecnologia de plasma induzido por laser para transformar o diagnóstico de baterias e a indústria de reciclagem de madeira. 

E se a análise por laser pudesse estar integrada em centros de reciclagem, fábricas de baterias e instalações de tratamento de resíduos? Uma investigação liderada pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) verteu recentemente para dois estudos publicados em revistas científicas de prestígio e apresenta uma solução inovadora e escalável para apoiar os esforços da economia circular em sectores estratégicos. 

Os investigadores apresentam duas aplicações potencialmente transformadoras desta tecnologia: no diagnóstico de baterias e na triagem de resíduos. A chave para esta solução está na luz.  A análise dos materiais é feita a partir de uma espectroscopia de emissão ótica, ou LIBS (Laser-Induced Breakdown Spectroscopy), que consegue detetar a composição elementar da amostra.  

Funciona assim: um impulso de laser de alta densidade energética incide sobre a superfície da amostra, vaporizando o material e aquecendo-o a temperaturas altíssimas. Esta perturbação cria um plasma. E é a partir daqui que os cientistas conseguem caracterizar a amostra: o plasma arrefece e, a partir da luz emitida, procede-se à identificação dos elementos. Um potencial uso? Estudar os elétrodos das baterias para compreender o comportamento e a deposição do lítio, algo “essencial para otimizar o desempenho e a segurança das baterias de próxima geração”, explica Diana Guimarães, investigadora do INESC TEC. 

Os investigadores aplicaram esta técnica no estudo post-mortem de coletores de corrente de baterias de estado sólido. A solução permite monitorizar a degradação e o potencial de reciclagem destas baterias e a análise pode ser iniciada sem necessidade de preparação de amostras complexas ou processamento químico. 

“Os resultados podem contribuir para o desenvolvimento de baterias mais duradoras e sustentáveis, em linha com os objetivos da transição energética e da mobilidade elétrica. O nosso método mostrou evidências visuais diretas dos padrões de degradação do metal de lítio nas arquiteturas de baterias da próxima geração, permitindo diagnósticos mais rápidos com um impacto ambiental mínimo”, explica Diana Guimarães, a autora principal do estudo publicado no Journal of Power Sources. 

Com o esforço declarado da União Europeia no sentido de atingir a neutralidade das emissões de carbono até 2050, as baterias recarregáveis são peça-chave para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis.  Este estudo incidiu especificamente em baterias concebidas sem um ânodo físico – uma “configuração particularmente exigente”, desenvolvida por uma equipa de investigadores da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). 

Para este estudo, foram analisadas baterias de estado sólido do tipo anode-less, que são tidas como a “próxima geração” do armazenamento de energia pela sua maior segurança e estabilidade. No entanto, impurezas ou desvios nas camadas do elétrodo ou no eletrólito sólido podem comprometer a segurança e o funcionamento da célula. 

“Compreender a química espacial da falha das baterias é fundamental para conceber dispositivos mais seguros e duradouros, e a LIBS proporciona-nos uma forma rápida e escalável de o fazer”, resume Diana Guimarães. 

O potencial escalável desta tecnologia de plasma induzido por laser ficou patente num outro estudo. Desta vez, os investigadores desenvolveram um método LIBS simplificado que não só identifica elementos perigosos na madeira reciclada, como também apresenta resultados visuais intuitivos. O que “facilita a sua integração em processos industriais reais e permite tomadas decisões mais rápidas no local”, salienta a investigadora do INESC TEC.  

Embora a indústria de reciclagem de madeira seja um “bom exemplo” no que toca à adoção de materiais reciclados – o contraplacado pode ter até 75% de madeira reciclada, por exemplo –, a gestão e reutilização de resíduos continua a ser um processo difícil por causa da presença frequente de contaminantes – o arsénio e o cádmio já foram classificados como carcinogéneos pela Agência de Investigação em Cancro (IARC, na sigla em inglês). 

Acresce que os métodos de controlo de qualidade são normalmente aplicados ao produto final e não durante o processo de transformação. Resultado: os contaminantes são detetados demasiado tarde e o produto acaba por ser descartado. A abordagem avançada pelos investigadores pode melhorar a tomada de decisão e alargar-se à triagem industrial. 

“Este trabalho enquadra-se numa visão mais ampla que temos vindo a desenvolver no INESC TEC, onde a espetroscopia avançada e a imagem espetral são integradas em instrumentos multimodais para monitorização industrial em tempo real”, remata Diana Guimarães. 

O estudo, publicado no Journal of Hazardous Materials, contou com a colaboração com o grupo Sonae Arauco, que forneceu o contexto industrial e amostras de materiais para teste.  

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