Uma equipa de investigadores do INESC TEC e da Universidade de Munique testou uma solução para classificar crises epiléticas, utilizando um radar de infravermelhos e vídeos 3D. O estudo apresenta uma abordagem inovadora, sendo a primeira a explorar a classificação destes eventos neurológicos, em tempo quase-real, a partir de amostras de vídeo de dois segundos. A investigação demonstrou a viabilidade de um sistema de apoio ao diagnóstico e à monitorização (baseado no reconhecimento de ações com recurso a deep learning), que permite distinguir entre crises com origem nos lobos frontal e temporal do cérebro (os mais comuns na epilepsia), ou eventos não epiléticos. Os resultados do trabalho foram recentemente publicados pela Nature Scientific Reports.
A epilepsia é uma doença neurológica crónica que afeta 1% da população mundial, sendo as crises um dos principais sintomas – cuja semiologia é crucial para diagnosticar possíveis ocorrências. A análise destes ataques permite determinar a sua origem no cérebro e é geralmente realizada através de vídeos e de eletroencefalogramas, em unidades de monitorização da epilepsia (UME), por profissionais de saúde especializados. “Durante o diagnóstico clínico, os profissionais utilizam estes vídeos para reconhecer, visualmente, movimentos relevantes definidos por características de movimento (semiologia)”, explica Tamás Karácsony, investigador do INESC TEC e aluno dos Programas de Doutoramento Afiliados do Programa Carnegie Mellon Portugal, atualmente na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).
No entanto, a avaliação da semiologia é limitada por uma alta variabilidade entre os referidos profissionais e, apesar de promissoras, as abordagens automática e semiautomática com recurso a visão computacional ainda dependem da intervenção humana. “Por norma, os pacientes são vigiados ao longo de vários dias, devendo ser feita uma análise posterior dos ataques. Isto requer muito tempo e esforço por parte dos profissionais”, acrescenta o investigador.
Nesse sentido, os investigadores desenvolveram uma abordagem baseada em deep learning para a classificação automática, e em tempo quase-real, de crises epiléticas. Esta abordagem é a primeira a explorar a classificação a partir de amostras de dois segundos, por oposição a outros métodos, que requerem informação do período total da crise, que dura habitualmente vários minutos. “Apresentamos uma nova solução, inspirada na forma como os especialistas analisam a semiologia das crises, considerando não só a presença de movimentos específicos em diferentes partes do corpo dos pacientes, mas também a sua dinâmica e os seus aspetos biomecânicos, como padrões de velocidade, aceleração ou amplitude de movimento”, afirma Tamás Karácsony.
A equipa recorreu à maior base de dados de vídeos 3D síncronos com eletroencefalogramas também resultado desta colaboração internacional com mais de 20 anos e extraiu informação relativa a 115 crises, tendo desenvolvido um algoritmo de pré-processamento semiespecializado e automático para remover elementos desnecessários. Em termos práticos, são combinados dois métodos de recorte de imagem – profundidade e Recursive-Convolutional Neural Networks (R-CNN) –, que proporcionam uma imagem limpa e, consequentemente, melhoram a extração de informações relevantes dos vídeos disponíveis, minimizando variações não relacionadas e melhorando o processo de classificação de ataques.
“A nossa solução recorre a uma abordagem de reconhecimento de ação com um recorte 3D inteligente, de forma a remover informações não relacionadas, como os médicos que se movimentam em redor dos pacientes, por exemplo. Assim, o nosso método melhorou significativamente o desempenho da classificação”, assumiu o investigador.
De acordo com João Paulo Cunha, coautor do estudo, investigador coordenador do projeto e docente na FEUP, a investigação desenvolvida demonstrou a viabilidade da solução no apoio à monitorização online – com recurso a inteligência artificial com base numa abordagem de ação-reconhecimento. “Este trabalho comprova a viabilidade da nossa abordagem de ação-reconhecimento que distingue três classes de semiologia epilética – dois tipos de crises epiléticas e uma outra classe de episódios não epiléticos – utilizando apenas amostras de dois segundos. Assim, este método torna-se o primeiro a assegurar uma capacidade para a monitorização em tempo quase-real em contexto de vídeos utilizados em ambientes clínico. Mais: a solução que apresentamos pode ser aplicada a outros conjuntos de vídeos 3D, na análise de episódios do foro motor, por exemplo associados a tremores essenciais ou à doença de Parkinson”, refere.
Desta forma, ao traduzir este conhecimento para um melhor diagnóstico e tratamento, a abordagem serve dois propósitos: “O conhecimento adquirido pode ser aplicado no processo de diagnóstico através de monitorização de vídeos e eletroencefalogramas. Irá contribuir para uma maior precisão, uma maior eficiência durante a análise do paciente, e para a recolha de dados sobre a relação entre a doença e os sintomas associados às crises. Mais tarde, poderá ser utilizado em contexto ambulatório, na monitorização de crises e nos tratamentos de epilepsia refratária”, refere Jan Rémi, líder da Unidade de Monitorização de Epilepsia da Universidade de Munique, Alemanha, e coautor do artigo.
Será ainda necessário aprofundar este tipo de investigação para que o sistema em causa possa ser implementado em contexto da rotina clínica. No entanto, espera-se que, a longo prazo, o sistema beneficie os médicos, as instituições e os pacientes. “Com o apoio do diagnóstico automático, os profissionais gastam menos tempo a estudar os vídeos, podendo, assim, tratar mais pacientes e tomar melhores decisões, o que reduz os custos associados (materiais e de saúde) para as instituições e a sociedade em geral”, conclui Tamás.