A ciência de interpretar as plantas

Por Mafalda Reis Pereira, assistente de investigação no Centro de Robótica Industrial e Sistemas Inteligentes (CRIIS)

As plantas têm uma elevada relevância na vida humana, sendo uma importante fonte de alimento e nutrientes. As estatísticas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estimam um aumento do nível da população mundial nos próximos 40 anos, e preveem que se atinja o número de aproximadamente 9,1 bilhões de pessoas até 2050. Consequente, ocorrerá um crescimento na procura de alimento, assim como a necessidade de um aumento contínuo da produção agrícola em cerca de 70%. Pensa-se que este crescimento será essencialmente alcançado por maiores rendimentos e maiores intensidades de plantação.  Assim, a otimização das condições e práticas de proteção das plantas têm sido consideradas metas importantes para o desenvolvimento sustentável pela Organização das Nações Unidas (ONU). 2020 foi proclamado pela Assembleia Geral da ONU como o “Ano Internacional da Saúde Vegetal” (IYPH) para aumentar a conscientização sobre como proteger a saúde das culturas pode ajudar a acabar com a fome, reduzir a pobreza, proteger o meio ambiente e impulsionar o desenvolvimento econômico. Paralelamente, 2021 foi eleito como “Ano Internacional de Frutas e Vegetais” (IYFV) para aumentar a conscientização sobre o seu importante papel na nutrição humana, segurança alimentar e saúde, bem como para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. 

Durante o processo produtivo, as plantas podem ser afetadas por diferentes tipos de stresses bióticos e abióticos, tendo a sua produtividade e qualidade afetada. Isto resulta em perdas de rendimento para os produtores e em disponibilidades reduzidas e preços mais altos para os consumidores. Globalmente, estima-se que os agentes bióticos sejam responsáveis por perdas no rendimento das culturas na ordem dos 20 a 40%. As práticas agrícolas atuais promovem ainda a disseminação de epidemias de doenças de plantas e a rápida evolução de patógenos, uma vez que favorecem a monocultura intensificada em grandes áreas, o uso de variedades de plantas geneticamente uniformes e o desenvolvimento de cadeias de fornecimento e atividades logísticas globais (possibilitando a circulação de material vegetal por todo o mundo). Para prevenir e combater estes agentes usualmente são aplicados produtos fitossanitários, cuja aplicação indiscriminada (muitas vezes não efetuada no momento, dose e área apropriados) pode levar a danos consideráveis no meio ambiente (afetando a qualidade do solo, água e ar). 

Desta forma, existem muitas razões agronómicas, ambientais, económicas e humanitárias que justificam o desenvolvimento de novos métodos de diagnóstico precoce de doenças de plantas, assim como o seu mapeamento no campo, em linha com a agricultura de precisão. 

Recentemente, têm vindo a surgir os chamados métodos de diagnóstico indiretos (proxy). Estes baseiam-se na ocorrência de interações entre a planta e o patógeno que a afeta, podendo resultar em mudanças na estrutura interna e bioquímica do hospedeiro. Estas alterações fisiológicas promovem mudanças nas propriedades óticas das plantas, especificamente na sua reflectância e emitância, que podem ser detetadas por sensores óticos de proximidade (por exemplo, através de sensores multi/ hiperespectrais, sensores de fluorescência ou termografia). Surge, assim, a hipótese de acompanhar o padrão espácio-temporal de desenvolvimento das doenças das plantas através da sua reflectância e emitância, permitindo um diagnóstico precoce de forma rápida, fácil, não destrutiva e específica 

Neste âmbito, desenvolvo atualmente a minha pesquisa e tese de doutoramento na temática da ‘Deteção e identificação precoce de doenças das plantas provocadas por bactérias com base na reflectância hiperespectral numa ótica de agricultura de precisão’ na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e no INESCTEC, onde integro o Centro de Robótica Industrial e Sistemas Inteligentes (CRIIS). Este projeto tem como objetivo desenvolver métodos preditivos, baseados nas propriedades espectrais das plantas, para a deteção e identificação precoce de bactérias responsáveis por doenças em diferentes culturas agrícolas. Através da combinação da ciência fundamental (ex. fisiologia vegetal e bioquímica), de sensores óticos diversos e de técnicas de inteligência artificial, desenvolvem-se metodologias de diagnóstico confiáveis e rápidas. Os ensaios estão a ser realizados em condições de laboratório e no campo, utilizando como caso de estudo diferentes patovares do género Xanthomonas spp. e da espécie Pseudomonas syringae, assim como diferentes culturas agrícolas, nomeadamente kiwi, nogueira e tomate. A sua validação justificará a extensão deste tipo de estudos a outras culturas e outros agentes patogénicos, como os fungos que são igualmente responsáveis por danos e perdas nas culturas agrícolas. 

O objetivo é potenciar o diagnóstico (deteção da doença) numa fase inicial do processo de infeção, que permitirá uma intervenção precoce. Através da prevenção e controlo da propagação da infeção e do agente patogénico, assim como da modificação de práticas culturais, é possível intervir e evitar que uma cultura seja totalmente afetada e comprometida. Por outro lado, promove-se a possibilidade de utilizar métodos preditivos na elaboração do mapeamento das doenças ao nível da parcela, permitindo uma aplicação direcionada e precisa de produtos fitofarmacêuticos. Desta forma, prevê-se uma redução do uso de pesticidas e herbicidas, o que se traduz num impacto benéfico na proteção do meio ambiente e dos serviços ecossistémicos, nos proveitos do produtor e na qualidade do produto que chega ao consumidor final. Este projeto está, assim, alinhado com os desafios que a agricultura europeia enfrenta atualmente e também com o âmbito do Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal – conjunto de políticas e estratégias articulado pela Comissão Europeia a fim de conter a ameaça do aquecimento global), nomeadamente dos mecanismos de operacionalização estabelecidos no ‘Farm to Fork’ de redução de 50% do uso de produtos fitofarmacêuticos e de fertilizantes até 2030. O desenvolvimento de métodos de diagnóstico mais automatizados, objetivos e sensíveis é, por todas estas razões, crucial para impulsionar a deteção de doenças em culturas de interesse agronómico. 

Trabalhar no INESC TEC tem sido extremamente enriquecedor e permite-me colaborar com equipas multidisciplinares incríveis (como o CRIIS e o Centro de Fotónica Aplicada – CAP). Este trabalho conjunto forneceu-me ferramentas e ensinamentos nas mais diversas áreas (incluindo a engenharia, a física, a biologia, a agronomia, a estatística, a modelação, a ciência de dados, o ‘machine learning’, etc…). Tive ainda a oportunidade de colaborar com o Comissão para a Diversidade e Inclusão do INESC TEC que me possibilitou conhecer melhor a riqueza e variedade dos diferentes colaboradores. Tem sido um percurso desafiante, mas que me dá uma enorme sensação de realização profissional e pessoal.

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