A envolvência do cidadão na transição energética no século XXI

Por Manuel Aires de Matos, Assistente de Investigação do Centro de Engenharia e Gestão Industrial (CEGI).

Desde a sangrenta revolução francesa, passando pelo Movimento dos Direitos Civis nos EUA, até à queda do muro de Berlim, no fim dos anos 80, a envolvência do cidadão teve sempre um papel fulcral na mudança social. Chegados ao século XXI, tudo parece estagnado no mundo ocidental. Se é certo que assistimos a novos movimentos sociais nos EUA, como o Black Lives Matter, a verdade é que este tipo de ações não tem nem a escala nem a envolvência das grandes mudanças sociais do passado. 

O mesmo ocorre em matéria de questões climáticas. Fridays for Future, movimento estudantil iniciado por Greta Thunberg, em 2018 – que consiste em faltar às aulas, às sextas-feiras, para participar em protestos contra as alterações climáticas – parece não ter conseguido atingir, até à data, os mesmos resultados de outros movimentos sociais, que marcaram o mundo no passado. Afetados pela pandemia, que se iniciou após pouco mais de um ano depois do início do movimento, este tenta retomar a sua ação nas ruas, num regresso à normalidade possível no mundo pós-pandemia. Mas, ao contrário de outras mudanças sociais, a crise climática parece ser um tema mais complexo do que muitos tentam fazer crer. 

Desde logo, é necessário uma coordenação e um compromisso internacionais ao nível de políticas ambientais. Ao contrário de outros movimentos, que procuram introduzir uma mudança local – como o fim de um regime ditatorial ou a alteração de determinadas leis, consideradas injustas ou prepotentes – a questão ambiental é um problema global, relativamente ao qual todos teremos de contribuir para que exista uma mudança significativa. Apesar de constatarmos esforços e compromissos entre os países mais desenvolvidos – como o acordo para a neutralidade carbónica na União Europeia, até 2050 – existem sociedades que se encontram num crescimento económico exponencial, onde as alterações climáticas pouca relevância parecem ter. Vejamos o exemplo da China: além de ter o dobro da população combinada da UE e EUA (cerca de 1,5 mil milhões vs. 780 milhões), nos últimos 10 anos, o número de habitantes em zonas urbanas quase duplicou, cifrando-se atualmente num valor próximo de 900 milhões de pessoas. Este êxodo rural, consequência do aumento vertiginoso da classe média oriental, traduz-se inevitavelmente em maior consumo e, por conseguinte, mais emissões de carbono prejudiciais para o meio ambiente. 

Outro aspeto importante a realçar é o facto de a questão tecnológica não conseguir acompanhar esta tentativa de mudança social. Apesar de parte da população tentar impor a introdução de uma política de descarbonização rápida, a tecnologia associada quer à produção renovável, quer ao armazenamento de energia, parece ainda não ter atingido um nível de maturidade e competitividade que as fontes energéticas convencionais conseguem oferecer.  

A situação será agravada com a escalada de preços da eletricidade e do gás natural, ao mesmo tempo que chega o inverno à Europa. Ainda que alguns governos tentem implementar políticas públicas para o contrariar, o consumidor irá inevitavelmente ver a sua fatura energética agravada. Esta escalada de preços deve-se, não só, mas também, ao desinvestimento em fontes tradicionais de produção energética, em prol de energias renováveis. Estará a sociedade ocidental preparada e predisposta a todas as exigências que a transição energética acarreta? Será que existe uma clara envolvência da maioria da população em matéria de alterações climáticas? E, se sim, quanto estaremos dispostos a pagar para que tal aconteça?

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