“A malta de Braga”

Por José Nuno Oliveira, Investigador Coordenador do Laboratório de Software Confiável (HASLab)

Prefazem-se este mês 10 anos sobre o acordo e o protocolo de colaboração entre o INESC TEC e a Universidade do Minho, assinado a 12 outubro de 2012, no Campus de Azurém, pelo Diretor José Manuel Mendonça e o então Reitor António Cunha.  

Celebração do protocolo entre as duas entidades

Esta efeméride faz-me recordar uma trajetória iniciada muitos anos antes, em 1989, quando a “malta de Braga” – pois era assim que era conhecida no INESC – começou a sua ligação ao hoje designado INESC TEC. Àparte a lembrança de tempos irrepetíveis, pois a idade era outra e o tempo não recua nunca, possa este breve texto servir para mostrar, em particular aos mais novos, quão importantes são para o acanhado meio académico nacional instituições autónomas de interface entre a sala de aula e o meio envolvente.  

Existia então na U.Minho um núcleo auto-designado “GDCC – Grupo Disciplinar de Ciências da Computação”, que vivia em instalações provisórias num andar da cidade de Braga, em cuja cozinha (entretanto adaptada para funções mais orientadas ao intelecto que ao palato) se reunia regularmente. Sob a enérgica batuta do Prof. José Manuel Valença, esse grupo vinha fazendo uma trajetória vigorosa de afirmação pedagógica, criando um novo curso e novas disciplinas, obrigando-se assim ao estudo contínuo de novas matérias ao ritmo das 600 páginas manuscritas que José Valença debitava anualmente nos seus inconfundíveis cadernos pautados A4 que, amplamente fotocopiadas, correram mundo.   

A possibilidade de se “sair da caixa” e aumentar a “massa crítica” por associação ao INESC era muito apetecível e havia já sido sugerida há bastante tempo pelo saudoso prof. Amílcar Sernadas, com quem José Valença lidava regularmente. Em particular, este participara já, como convidado, no “encontro de seniores do INESC” que teve lugar no Luso em Janeiro desse ano.  

Meses depois, a 23 de junho de 1989, era assinado aquele que foi de facto o primeiro acordo entre o INESC e a U.Minho, pelo então Reitor Machado dos Santos e os Diretores do INESC José Tribolet e Lourenço Fernandes. 

Mas, como tantas vezes acontece, a realidade tinha-se já antecipado à formalidade: dias depois do encontro no Luso, recebemos um fax inesperado do prof. Vladimiro Miranda perguntando com matéria de urgência se nos queríamos associar pelo INESC (que ainda não éramos) a uma proposta Eureka que a Olivetti estava a ultimar em Itália. Três dias depois seguia um fax-resposta dizendo que os objetivos da proposta Eureka encaixavam muito bem com the work which a INESC(norte) research team has been undertaking for some years, in the areas of software specification, rapid prototyping, implementation and reusability, using formal (mathematically sound) methods”.  

Era uma aposta temerária de um grupo académico que queria levar para fora da sala de aula os métodos que ensinava e em que acreditava. E que não podia perder aquela oportunidade. Os “80% de probabilidade de aceitação” garantidos por aqueles que viriam a ser os nossos “amici italiani” por largos anos não tardaram a materializar-se e o Eureka 379 (SOUR) arrancou.  

Projeto EUREKA

Seria extensa a crónica que aqui relatasse toda essa rica experiência de interface academia-empresa, que foi longa e intensa até à entrega do produto final, em 1995 (Bari), e de que há copiosa informação no arquivo do HASLab. (Alguns faxes já mal se leem, mas os e-mails, que então se imprimiam “à cause des mouches”, estão de boa saúde).  

Notícia do INESC sobre o projeto SOUR

Mas o mais importante aqui não é esse historial. É sim mostrar a eficácia, há mais de 30 anos, da articulação de um grupo teórico – a “malta de Braga” – com a indústria, à escala internacional. Algo que sem uma instituição de interface como o INESC nunca teria sido possível. Igualmente interessante foi o impacto que essa experiência teve no próprio ensino, a partir de então revigorado com um caso de sucesso que justificava ainda mais a aposta em “boas teorias”.  

E ficou a marca de água que tão bem percebida foi pelo pós-doc Joost Visser – um grande amigo, hoje professor na U.Leiden  – quando cunhou o lema que doravante o HASLab tomou como seu: “Improving practice through theory”. Que é, afinal, o lema da boa engenharia, seja ela em que domínio for. 

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