Ciência e política: uma relação complicada

Por Bárbara Pinho, Técnica Especialista do Serviço de Comunicação (SCOM) e do Centro de Sistemas de Energia (CPES)

Já cheguei ao Serviço de Comunicação do INESC TEC há três meses, mas ainda me atrevo a dizer que cheguei recentemente. Isto porque ainda que esteja num cargo dinâmico e que envolve contactos com muitos colaboradores, conheço poucos pessoalmente. Talvez por isso, seja arriscado trazer um tema sensível para esta peça. Mas diria que é importante trazê-lo ainda assim.

Sou formada em ciências biomédicas e, ainda que tenha um gosto enorme pela biomedicina molecular, decidi deixar de fazer ciência para começar a promovê-la. Aqui entra a comunicação de ciência, área que atualmente exerço. Quando estava a estudar ciências biomédicas, estava num meio onde a ciência era vista como algo puro e intocável: é objetiva, é a área que nos aproxima da verdade, é livre de enviesamentos. E quando estamos numa bolha académica, rodeados de colegas, professores e investigadores que acreditam veemente nesta “pureza”, acabamos por rejeitar todas as teses que digam o contrário.

Muitos ainda acreditam que ciência está num pedestal, isolada de qualquer influência política e enviesamentos. Basta visitar as caixas de comentários nas redes sociais da Scientific American quando a equipa editorial decidiu, pela primeira vez na história da publicação, apoiar a candidatura de Joe Biden. A Nature tem peças editoriais onde também se fala de política na ciência, e há quem se oponha fortemente.

Foi quando comecei a estudar comunicação de ciência e a mergulhar nas ciências sociais que percebi que nada na sociedade será alguma vez puro e livre de enviesamentos, incluindo a ciência (por mais que a queiramos ver objetivamente). A ciência não é intocável. Nunca foi, nunca será, porque a ciência é feita de pessoas e dinheiro. Por um lado, as pessoas não são intocáveis: têm conflitos de interesses, têm preconceitos interiorizados (o chamado “bias”). Por outro, o dinheiro definitivamente traz interesses para cima da mesa. Se a ciência se alimenta de dinheiro (não se fazem omeletes sem ovos), então a política e economia vão sempre influenciar o processo científico.

Mas não se fiem nas minhas palavras – afinal de contas, isto é um artigo de opinião e é sempre melhor quando tentamos seguir factos que opiniões. Aconselho antes que ouçam três episódios do podcast da Nature – Stick to the science: when science gets political. A Nature recebeu tantas críticas quando começou a publicar mais artigos sobre política, que decidiu lançar estes episódios para esclarecer, de uma vez por todas, se ciência e política dão ou não as mãos.

Ouvindo, percebe-se que sim, dão, e como qualquer outra relação dramática que se preze, é complicado. Mas esta complicação também dá frutos. Se os cientistas saírem da bolha académica para a bolha política, então os nossos líderes e políticos podem tomar decisões mais balançadas e suportadas por factos.

Na minha dissertação de mestrado trabalhei com o POSTParliamentary Office of Science and Technology, um gabinete do parlamento britânico que faz a ponte entre ciência e política. A equipa do POST convida investigadores e especialistas a redigirem um policy brief sobre um determinado assunto. Isto é, um documento que albergue a melhor evidência sobre um tema que é depois discutido no parlamento. Assim, garante-se que os políticos têm acesso à melhor informação possível. Temas como segurança alimentar e inteligência artificial na saúde foram já abordados e discutidos no parlamento, tudo graças a este documento produzido por académicos para chegar a políticos. Uma ponte bonita que leva a sociedade mais longe.

Acreditando piamente nesta ponte, acredito que é hora dos nossos políticos portugueses receberem aconselhamento de especialistas. Este hábito, criado aquando da COVID-19 e das reuniões com o INFARMED, deve continuar a ser implementado. É também hora de estreitar esta relação complicada em vez de a tentar negar, porque até as relações complicadas podem ser bonitas.

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