Da arqueologia à ciência da informação e investigação para a transformação digital da indústria centrada no ser humano

Por Filipa Ramalho, Assistente de Investigação no Centro de Engenharia de Sistemas Empresariais (CESE)

Muitas pessoas que me conhecem bem não sabem, mas durante muito tempo quis ser arqueóloga! Olhando agora para trás, penso que foi nessa altura que me cruzei pela primeira vez com a investigação e a ciência. Sempre fui uma apaixonada por história e foi a partir daí que descobri e me interessei pela arqueologia. Na altura, sem ter ainda certezas que formação superior fazer, debrucei-me sobre o tema para recolher informação sobre esse possível caminho. Fiz algumas visitas a escavações, falei com alguns investigadores e professores e quanto mais informação recolhia, mais ficava atraída com os processos de planeamento, descoberta, análise e preservação que faziam do trabalho de uma arqueóloga ou de um arqueólogo. Para mim era fascinante o facto de, a partir de um artefacto físico descoberto, se conseguirem estudar e compreender culturas e modos de vida de povos e sociedades, por exemplo. Naturalmente, acabei por decidir continuar a minha pesquisa e descoberta de outros caminhos que não a arqueologia que me atraíssem da mesma forma, mas que também me dessem mais oportunidades profissionais e tivessem uma taxa de empregabilidade mais alta.

É com um sorriso na cara que me lembro que a Filipa de há 20 anos sonhava em ser arqueóloga para estudar o passado e o presente e, agora, sonha em ajudar as empresas industriais nos processos de transformação digital e na implementação de soluções inovadoras que facilitem o conhecimento e a comunicação da informação aos operadores no chão das fábricas do presente e do futuro!

O caminho para chegar até à Filipa do presente deveu-se desde logo ao curso superior que acabei por fazer, o curso de Licenciatura em Ciência da Informação. Nesse tempo, era um curso bastante recente e inovador, resultado de uma parceria com duas Faculdades bastante distintas: a Faculdade de Letras e a Faculdade de Engenharia. O curso era pioneiro em propor-se a cobrir algumas lacunas na formação de profissionais, necessários ao novo contexto e desafios da Sociedade da Informação. A formação multidisciplinar e a diversidade de saídas profissionais, nomeadamente as mais ligadas às organizações e às tecnologias da informação e comunicação, fascinaram-me! Terminei a licenciatura de três anos e comecei a trabalhar no INESC TEC, onde estive durante seis anos. Ao mesmo tempo, fiz o mestrado em Ciência da Informação e fiz a minha dissertação no INESC TEC na área da gestão de informação e de conteúdos empresariais. Durante esse tempo tive sempre oportunidade de colaborar em diversos projetos de investigação e desenvolvimento que me permitiram manter o contacto com a academia e a investigação. Depois, estive três anos numa empresa de desenvolvimento de sistemas que me deu uma vivência profissional numa organização diferente e extremamente relevante para a minha experiência e identidade enquanto investigadora.

Depois disso fui mãe, uma experiência única e quase inexplicável que envolve muitos questionamentos e uma transformação como pessoa e até como profissional, e que é bastante desafiante. Esta transformação pode ser algo muito positivo e feliz como também e, ao mesmo tempo, bastante angustiante e frustrante (já agora, hoje já se fala muito sobre isto, mas acredito que ainda se pode fazer muito mais para ajudar as mulheres mães a ultrapassarem melhor estes desafios). No meu caso, um dos resultados dessa transformação foi o de ter reavivado o desejo, que tinha nascido desde a defesa da minha tese de mestrado, que era o de fazer um doutoramento. O que me motivou sempre para este desejo para ser investigadora foi a curiosidade, a vontade de aprender coisas diferentes e inovadoras e, acima de tudo, o desejo de contribuir e de fazer a diferença no futuro das organizações, da sociedade e do mundo em geral!

Foi assim que regressei ao INESC TEC e, desta vez, com um foco muito maior na investigação e o primeiro desafio foi o de investigar que programa doutoral fazer e que problema me propor a estudar, questionar e trabalhar! Sinto uma gratidão enorme pelo investigador e meu orientador, o professor António Lucas Soares, pelo papel fundamental que teve em inspirar-me e motivar-me para ser investigadora. O seu papel foi fundamental, instigando-me e dando-me liberdade para divagar e encontrar um caminho com o qual me identificasse e dando espaço para expressar as minhas curiosidades, perguntas e opiniões de forma livre e sem preconceitos! Quanto ao curso, optei pelo Programa Doutoral em Media Digitais, da Faculdade de Engenharia. Este é um programa em parceria com diversas faculdades, o que me permitia ter contacto com professores e outros investigadores de diversas áreas e ter acesso a uma riqueza multidisciplinar centrada numa das maiores necessidades da sociedade e das organizações atuais: a Transformação Digital.

O meu projeto de doutoramento baseia-se no estudo acerca da importância de uma gestão adequada da informação para o desenvolvimento de tecnologias mais eficazes centradas no ser humano nas fábricas. Para além disso, pretendo explorar como as tecnologias imersivas como a realidade aumentada podem ser utilizadas para facilitar o conhecimento e a comunicação da informação aos operadores no chão de fábrica. Fazer um trabalho de investigação neste contexto é algo que me faz muito feliz porque consigo trabalhar duas vertentes que sempre foram o ponto comum em todas as etapas do meu percurso: a vertente mais social e humana e a vertente das tecnologias da informação e da comunicação! Gosto de trabalhar a pensar nas pessoas, nas suas necessidades e de contribuir para soluções tecnológicas capazes de responder a essas necessidades. Como investigadora é também meu objetivo desenvolver a minha capacidade crítica, nomeadamente para tentar contribuir para uma estratégia de desenvolvimento das tecnologias e sistemas de informação com uma visão e objetivos concretos que tenham em conta não só a sustentabilidade económica como também a sustentabilidade social e ambiental. 

No passado dia 11 de fevereiro assinalou-se o Dia Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência. Este dia acontece anualmente, e surgiu com o objetivo claro de chamar a atenção para a necessidade de atrair mais mulheres para a ciência e de promover o acesso e participação das mulheres e raparigas em atividades de ciência, tecnologia, engenharia e educação matemática, formação e investigação a todos os níveis.

Segundo dados divulgados este pela UNESCO e pela ONU Mulheres, a nível mundial, apenas 33% dos investigadores são mulheres, e recebem menos financiamento para a investigação do que os homens, e são menos suscetíveis de serem promovidas. Também no sector privado, as mulheres estão menos presentes na liderança de empresas e em papéis técnicos nas indústrias tecnológicas.

Na mensagem conjunta de Sima Bahous, Diretora Executiva da ONU Mulheres e Audrey Azoulay, Diretora-geral da UNESCO, é referido, por exemplo, o facto de os algoritmos no campo da inteligência artificial perpetuarem os preconceitos dos seus programadores. Este facto merece toda a nossa atenção quando, apesar da falta de mão de obra nesta área, as mulheres representam apenas 22% dos profissionais que trabalham em inteligência artificial e 28% dos licenciados em engenharia.

Penso que temos já assistido a passos largos dados neste tema da diversidade e inclusão, em específico na vertente do género, mas penso que é preciso fazermos muito mais a nível individual e coletivo.

Se estivesse a falar para alguma rapariga que ponderasse abraçar a ciência e a investigação, diria que o que mais me motiva para ser investigadora é a oportunidade de poder ter tempo para analisar os problemas de diversas perspetivas e principalmente a liberdade de poder questionar e explorar diversas soluções sem receio de errar, porque até com os erros e resultados menos positivos conseguimos extrair conhecimento para podermos comunicar e contribuir para a busca de outras soluções. Diria também que, tal como os homens, as mulheres também podem ser talentosas e terem mentes científicas brilhantes para resolver os desafios que o mundo enfrenta! Por último, lembraria que a Ciência precisa de mais mulheres e que cada uma e cada um de nós pode fazer a diferença na diminuição da disparidade de género, o que prejudica e põe em causa a nossa capacidade coletiva de encontrarmos soluções para os desafios comuns.

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