Os marinheiros do futuro

Por Nuno Cruz, coordenador do Centro de Robótica e Sistemas Autónomos

Portugal possui já uma das maiores zonas económicas exclusivas da União Europeia e tem um pedido pendente nas Nações Unidas para alargamento da plataforma continental. A ser aprovado, irá conferir o direito de soberania para efeitos de exploração e aproveitamento dos recursos naturais numa área total superior a 4 milhões de quilómetros quadrados. Trata-se de uma área mais de 40 vezes superior à área continental, a grande maioria de águas profundas, com mais de mil metros de profundidade.  

Em territórios continentais, o recurso a monitorização remota (por exemplo, por satélite), permite uma rápida caraterização de vastas áreas com grande detalhe. No entanto, a água do mar atenua fortemente a propagação de ondas eletromagnéticas, pelo que não existe tecnologia equivalente para a exploração remota do fundo dos oceanos. Essa exploração é tradicionalmente feita no local, por cientistas-marinheiros que embarcam em navios oceanográficos apetrechados com tecnologia de ponta, observam o meio, recolhem amostras, analisam dados, comunicam com os pares, tiram conclusões, e publicam resultados. As campanhas oceanográficas custam dezenas de milhares de euros por dia, sem contar com o custo dos equipamentos utilizados, que se avariam mais facilmente nestes ambientes hostis do que nos laboratórios tradicionais. Mesmo nos casos em que as campanhas duram vários dias, a sua cobertura espacial é extremamente reduzida, pelo que a maior parte do fundo do mar é ainda um enorme desconhecido. 

Nas últimas dezenas de anos, a robótica tem tido um papel de relevo nesta exploração, permitindo a recolha de dados sem riscos para os humanos. O esforço da comunidade científica tem-se concentrado na robustez física desses robôs, na exatidão das medidas, na sua localização espácio-temporal, e no aumento da autonomia em termos de alcance, profundidade, perceção do ambiente e duração das missões. Apesar dos avanços verificados, há ainda um longo caminho a percorrer até que estas plataformas se possam replicar de forma massiva para permitirem um conhecimento abrangente do mar profundo. Para isso, precisamos de uma nova geração de mentes curiosas que tenham motivação e empenho para resolver os desafios que ainda estão em aberto. Por exemplo, a atenuação dos sinais eletromagnéticos torna inviável a utilização de sistemas de posicionamento como GPS ou comunicações via rádio. Em contrapartida, as ondas sonoras propagam-se com muito menos atenuação, mas têm um tempo significativo de propagação e estão sujeitas a múltiplas perturbações existentes no mar (naturais e humanas). Para além disso, a sua utilização deve ser minimizada para evitar o impacto nos diversos seres marinhos que confiam na acústica para a sua sobrevivência. Em termos de autonomia dos robôs, há várias vertentes que precisam de ser mais exploradas, desde o aumento de “inteligência” a bordo que permite uma melhor perceção do ambiente em redor, até aos aspetos mais práticos de gestão de energia, que incluem os sistemas de captura de energia do ambiente, o aumento da eficiência no movimento e a instalação de estações de carga distribuídas pelo fundo do mar.   

Precisamos assim de atrair jovens talentos para responder a estes e outros desafios que temos pela frente. Felizmente, notam-se cada vez menos barreiras sociais, culturais e de género no acesso às ciências e tecnologias, contribuindo para uma efetiva variedade de perspetivas que em muito beneficia a procura de novas soluções. Em simultâneo, os jovens de agora têm acesso a informação de qualidade e em quantidade sem precedentes, a meios experimentais que permitem acelerar a demonstração de conceitos, e estão bem sensibilizados para os problemas ambientais e para a necessidade de preservação e monitorização dos recursos naturais, e dos oceanos em particular. Cabe-nos então a nós, nos grupos de investigação, mostrar-lhes que temos condições para tirar partido do seu potencial, e que os resultados do seu esforço podem ter um impacto muito significativo para as novas gerações. No INESC TEC, temos estado a fazer isso desde muito cedo, e em muitas frentes, para antecipar o contacto com a robótica como disciplina integradora, em que os conceitos de engenharia de sistemas são fundamentais. Ao longo dos cursos superiores, promovemos a participação em projetos extracurriculares, abrimos bolsas de iniciação à investigação e divulgamos as atividades nos vários núcleos estudantis. Ao nível do ensino secundário, organizamos, participamos e apoiamos cursos de robótica, fazemos apresentações e demonstrações em escolas, abrimos os nossos laboratórios a grupos de estudantes. Alguns exemplos mais recentes incluem as participações na Semana Profissão Engenheiro e na Mostra da UP, que apesar de terem impacto apenas a longo prazo, contribuem para este esforço contínuo de divulgação e sensibilização, tanto junto dos estudantes, como dos pais e dos professores que os acompanham. 

Os marinheiros do futuro serão maioritariamente robôs. Quanto a engenheiros e cientistas, esses serão de carne e osso por muito tempo, desenvolvendo novas tecnologias para recolher mais e melhor informação, acumulando conhecimento e potenciando novas aplicações para as descobertas que se adivinham. O nosso empenho atual centra-se em encontrar e atrair essa nova geração de talentos, para que a exploração subaquática possa ser feita de forma eficaz e eficiente, e, acima de tudo, sustentável. 

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