Uma oportunidade do tamanho da nossa ambição, tenhamos nós engenho e arte

Muito se tem falado das oportunidades que o Mar nos pode trazer. Alguns desses textos acabam por ser um pouco saudosistas e fazendo memória de glórias de outros tempos (voltaremos a este ponto na conclusão). Tomando (literalmente) a área do Mar, menciona-se regularmente que temos a 5ª maior Zona Económica Exclusiva (ZEE) entre os pares europeus e que representa 95% do território nacional. Se a pretensão de alargamento da plataforma continental, em análise pelas Nações Unidas for bem-sucedida, a nossa ZEE duplica e a área de mar passa a ser 40 vezes superior à terrestre. Tal aprovação traz simultaneamente novas oportunidades e acrescidas responsabilidades.

Portugal, com uma população e área continental reduzidas, localizando-se na periferia na Europa, demonstra dificuldades em escalar as suas empresas. Ainda que com algumas e surpreendentes promessas classificadas como unicórnios, aquelas que são as nossas grandes empresas nacionais estabelecidas, comparam-se com empresas de dimensão média à escala europeia ou mundial. Que “variáveis” novas pode o Mar trazer para este “sistema de equações” que possa alterar e melhorar significativamente o futuro de Portugal? Com a crescente e alargada consciencialização da importância da água e dos oceanos, a oportunidade Atlântica de Portugal pode alterar significativamente a nossa “localização geografia” no mundo! Abre-se a oportunidade de fazermos parte do grupo restrito de países, no centro da descarbonização e da transição energética, alimentação sustentável e importante exercício de soberania, com uma alteração profunda de uma restrição fundamental que tem limitado o nosso crescimento económico – crescimento “ilimitado” das nossas empresas dedicadas à Economia Azul, não só pelo dimensão da nossa ZEE, mas também porque, no Mar, mais do que um atividade económica pode coexistir no mesmo espaço e explorar sinergias (e.g., energias renováveis marinhas, extração de recursos vivos, dessalinização).

Vejamos algumas premissas que alimentam o otimismo neste domínio (Mar). Antecipado pela OCDE [“The Ocean Economy in 2030”], a população e a economia mundial enfrentam vários desafios, suportados por tendências de médio e longo-prazo, que geram direta e indiretamente um conjunto de impactos, impactos esses que, por sua vez, nos colocam um conjunto de desafios e até de tensões geopolíticas. O aumento da população mundial e o estilo de vida atual, coloca uma enorme pressão nos recursos naturais e no ambiente. A pressão na produção de alimentos e nas cadeias mundiais de abastecimento, juntamente com o contínuo aumento do consumo de energia, sobretudo de origem fóssil, e a procura de minerais e metais (raros), tem agravado o impacto ambiental e a poluição ambiental, com impactos significativos nas alterações climáticas e na saúde dos ecossistemas. A estes desafios e interligados com os mesmos, juntam-se tensões geopolíticas, numa transformação para um mundo multipolar. Os impactos gerados pelas tendências anteriores têm sido debatidos em vários fóruns e incluem temas como: a poluição, pescas insustentáveis, o aumento da temperatura dos oceanos e a subida do nível médio da água, a acidificação dos oceanos, a capacidade do oceano em absorver CO2, alteração nos padrões das correntes marítimas, alterações do ciclo hidrológico com impacto nos padrões de precipitação, entre outros [ver o transformation map do Oceano do World Economic Forum: https://intelligence.weforum.org/topics/a1Gb0000000LGk6EAG?tab=publications

Para os leitores que possam estar mais familiarizados com as prioridades estratégicas da Comissão Europeia e com as suas prioridades definidas nas suas Missões, a relação entre os inúmeros desafios anteriores e a Economia Azul começa a ficar mais clara. Ainda assim, é relevante recordar que a Economia Azul engloba todas atividades económicas que dependem do oceano, mares e costas assim como aquelas que estão diretamente relacionadas com esses ambientes por usarem ou produzirem produtos ou serviços de ambientes marinhos. Inclui, desta forma, sectores ligados aos recursos vivos marinhos (e.g., pescas e aquacultura), extração de recursos não vivos (e.g., minerais, oil&gas), as energias renováveis marinhas, a dessalinização de água, transporte marítimo ou fluvial, assim como turismo costeiro e marítimo. Já em termos das atividades que estão diretamente relacionadas com o ambiente marinho, podem ser dados como exemplo as atividades de processamento de alimentos de origem marinha, biotecnologia marinha, construção e reparação naval, atividades portuárias, cabos submarinos, tecnologias e equipamentos, defesa e a segurança nestes ambientes.

O INESC TEC tem estado ativamente envolvido em atividades de I&D+i dirigidas aos sectores da Economia Azul, no apoio a desafios concretos e na criação de condições de base para o desenvolvimento do ecossistema económico capaz de gerar impacto social. Dos diversos sectores de atividade económica que temos estados envolvidos, as iniciativas mais relevantes socialmente, aos dias de hoje, são as Energias Renováveis Marinhas. Para este sector de atividade, o INESCTEC tem estado empenhado num conjunto de projetos europeus de referência:  EU-SCORES; MAGPIE; ILIAD; BLUE-X; ATLANTIS; NAUTICAL SUNRISE; nas agendas nacionais do PRR, como as alianças ATE e NEXUS entre outros projetos nacionais e INTERREG, como K2D, AOWIND, etc.. Em cada um destes projetos o INESCTEC aporta as competências multidisciplinares dos seus centros, gerando soluções inovadoras capazes de endereçar desafios que vão desde a otimização da produção; integração das energias renováveis e novos vetores energéticos; digitalização e desenvolvimentos de novos modelos capazes de replicar e simular novos cenários; sensorização, inspeção e monitorização de infraestruturas marítimas e offshore; recolha, integração e fusão de dados; otimização e logística; monitorização da biodiversidade e impacto ambiental; entre outras.

Além do seu empenho e contributo em atingir os objetivos ambiciosos de projetos de referência a nível europeu e nacional, a instituição lidera um conjunto de iniciativas estratégias de referência, capazes de criar as condições fundamentais ao desenvolvimento e florescimento do ecossistema científico e de inovação. Estas iniciativas, complementam as anteriores e têm como objetivo criar um impacto duradouro e sustentável de médio e longo-prazo. Alicerçado nestas iniciativas estratégicas, criar-se-ão as condições para se dar resposta aos desafios futuros projetados até 2050. Neste grupo de iniciativas, importa salientar dois importantes movimentos recentes:

– a liderança do consórcio Hub Azul de Leixões – Pólo 1 (HAL): enquadrado na componente C10 do PRR, tem como objetivo principal o desenvolvimento de uma infraestrutura científica suportando o desenvolvimento tecnológico e a inovação vocacionada para as áreas de Descarbonização e a Eficiência Energética, a Transformação Digital e a Economia Circular. O HAL permitirá o desenvolvimento e teste de plataformas à escala, sistemas autónomos e outras tecnologias dirigidas ao offshore, sem esquecer infraestruturas verdes, os recursos biológicos marinhos, biorremediação, o desenvolvimento de capacidades de prototipagem rápida, procurando a inovação e a transferência de tecnologia, o treino e a formação avançada (incluindo mergulho científico e especializado), entre outros.

– a entrada do INESC TEC como maior acionista da CEO – Companhia de Energia Oceânica: entidade que detém o test site na Aguçadoura onde foram testados projetos piloto como o AWS e o Pelamis (energia das ondas), WindFloat-1 (eólico flutuante) e está atualmente em desenvolvimento projeto HiWave-5 da CorPower Ocean (energia das ondas). A área offshore deste test site fica a apenas 6km da costa, sensivelmente equidistante dos dois grandes Portos do Norte (Leixões e Viana do Castelo) e próximo do porto da Póvoa do Varzim. Os seus 20km de distância de duas das principais áreas propostas pelo governo português para a instalação de 2.5GW de energia eólica flutuante, são uma mais-valia para a demonstração e validação tecnológica em ambiente real.

Nos últimos 3 anos, o INESC TEC envolveu-se em mais de 19 projetos fortemente relacionados com as Energias Renováveis Marinhas, monitorização ambiental, descarbonização, transição energética e digital na Economia Azul, num montante superior a 32M€. Estes números representam um compromisso sério da instituição no desenvolvimento de soluções e tecnologias inovadoras que nos permitem olhar com mais otimismo para os desafios preconizados pela OCDE e alimentar a esperança de que seremos capazes de desenvolver um sistema económico mais próspero e resiliente, geradora de grande impacto social e alicerçada numa economia mais sustentável e totalmente alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Na verdade, quando olhamos com saudosismo para o período dourado dos Descobrimentos, deveríamos ter presente que por detrás desses feitos, estava o conhecimento avançado que detínhamos na altura em diversos domínios e que conseguimos, com engenho e arte, materializar num conjunto de inovações que demoraram alguns séculos a serem ultrapassadas!

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