Viver no Espaço: reflexões a partir do Centro de Controlo da primeira missão análoga a Marte em Portugal

Escrevo estas palavras a partir do Centro de Controlo, o nosso pequeno posto de comando rodeado pela poeira vermelha de Monsaraz, embora sinta que estou a orbitar Marte. O ruído dos sistemas, o fluxo constante de dados e o silêncio entre as comunicações com a nossa equipa lembram-me que o espaço – mesmo quando simulado – não se traduz meramente em distância. Trata-se de perspetiva, e de até onde podemos expandir os limites da ciência, da tecnologia e da resiliência humana quando ousamos viver, ainda que temporariamente, como se já estivéssemos fora do nosso planeta. 

A Monsaraz Mars Analog Mission foi a primeira missão espacial análoga realizada num habitat em Portugal. Este marco ficará registado na história da ciência no nosso país. Durante 13 dias (entre 13 e 25 de outubro), cinco astronautas (três portugueses e dois internacionais) viveram em total isolamento dentro de um habitat construído para esse mesmo propósito, junto ao Observatório Lago Alqueva (OLA), na região do Alentejo. 

Enquanto diretora, fui responsável por liderar as operações a partir do nosso Centro de Controlo – uma sala compacta, meticulosamente concebida, que servia de janela para a equipa que se encontrava isolada. Esta responsabilidade não era apenas de natureza logística ou científica; era profundamente humana. Liderar esta missão significou equilibrar a disciplina da engenharia de sistemas com a empatia necessária para compreender uma tripulação confinada, inspirada pelo mesmo sonho: tornar a vida no espaço possível. 

Esta missão fez parte do World’s Biggest Analog, uma rede internacional de missões análogas simultâneas, unidas através de dados partilhados, estratégias de comunicação e um objetivo comum. Para Portugal – e para o INESC TEC, que liderou a vertente científica e tecnológica -, a missão de Monsaraz foi um testemunho das nossas capacidades: uma demonstração de que o nosso país não só pode contribuir, como também liderar iniciativas de investigação espacial análoga a nível global. 

Dentro do habitat, o engenheiro de voo Diogo Paupério – jovem investigador do INESC TEC – operou o drone Phobos, integrou sistemas e manteve o delicado equilíbrio entre suporte de vida e monitorização ambiental. Durante 13 dias, ele e a sua equipa enfrentaram os mesmos desafios que os astronautas poderão enfrentar em Marte. A experiência englobou, também, estudos inovadores em robótica, geomicrobiologia, geologia planetária e a extração e quantificação de DNA por teleoperação. Este foi um feito pioneiro no âmbito do World’s Biggest Analog e o único habitat a realizar uma experiência de DNA com solos. 

Equipa prestes a entrar no habitat

Estes resultados são extraordinários. No entanto, o que mais me tocou foi o aspeto humano por detrás dos dados: a determinação silenciosa de uma equipa que, mais uma vez, demonstrou que o espaço não é apenas um lugar distante; é um processo em que nos transformamos. 

Como investigadora do INESC TEC e primeira cientista-astronauta portuguesa, tive o privilégio de testemunhar a evolução da nossa investigação análoga. Desde a Missão CAMões – onde passei sete dias isolada numa gruta de lava nos Açores, a simular condições lunares, e assumindo o cargo de Comandante – até à Missão Monsaraz (onde expandimos a nossa visão para um ambiente marciano), aprendi uma verdade fundamental que transcende fronteiras nacionais e disciplinares: não viajamos para o espaço sozinhos. Cada missão, seja realizada numa gruta ou num habitat controlado, representa um “ecossistema” de engenheiros, cientistas, educadores e parceiros a trabalhar em conjunto para um objetivo comum. 

Este tal “ecossistema” cresceu ainda mais. A participação do INESC TEC em eventos importantes para o setor espacial marca mais um passo significativo. Pela primeira vez, o INESC TEC esteve representado no prestigiado International Astronautical Congress (IAC) em Sydney (Austrália); lá, apresentámos um protótipo inspirado no nosso robô premiado, o UX1-Neo. Não se trata apenas de uma ação de divulgação; a esfera robótica foi concebida para operar autonomamente em contextos extraveiculares (EVA) como intraveiculares (IVA), e houve um teste de voo parabólico no Canadá – através da nossa parceria com o International Institute for Astronautical Sciences. 

A ligação entre as missões análogas e estes sistemas robóticos inovadores sublinha a visão essencial para a exploração humana e robótica. Evidencia que o nosso futuro além da Terra não poderá depender apenas dos humanos – ao lado das máquinas iremos avançar, explorar, sobreviver e prosperar. Portugal deve preparar-se para esta dupla narrativa: a ambição humana e as soluções robóticas. A missão de Monsaraz mostrou que o ecossistema científico e tecnológico português está pronto para abraçar este desafio. 

No Centro de Controlo, refleti muitas vezes sobre o tema da World Space Week 2025: “Viver no Espaço”. Estas palavras têm significados técnicos e existenciais. Viver no espaço não é apenas sobreviver ou atingir a perfeição em termos de engenharia; trata-se de promover a adaptabilidade, a empatia e a criatividade em ambientes que desafiam, continuamente, os nossos limites. A missão de Monsaraz foi, essencialmente, um ensaio para o próximo capítulo da Humanidade, um pequeno passo controlado para compreender o que significa realmente estabelecer outro mundo como nosso lar. 

Viver no espaço exige uma forma de vida diferente aqui na Terra, levando-nos a repensar questões como a sustentabilidade, a cooperação e a ética da exploração. Com apenas três litros de água por dia e a necessidade de partilhar silêncio, espaço e ar com mais quatro pessoas, aprendemos que a eficiência é mais do que um mero conceito; torna-se uma experiência que vivemos. Descobrimos que a liderança verdadeira deve basear-se na confiança e na coordenação, e não na autoridade ou controlo. 

Habitat

Liderar esta missão foi um privilégio e um verdadeiro teste à minha convicção. Nos momentos em que o silêncio do Centro de Controlo se tornava ensurdecedor e cada atraso na comunicação parecia eterno, a fragilidade dos nossos sistemas refletia a fragilidade do esforço humano. É nestes momentos que devemos recordar que a exploração é um ato de fé: fé na tecnologia, nas equipas e na crença de que ultrapassar limites nos aproxima da compreensão de quem somos verdadeiramente. 

Ao refletir sobre esta experiência, rodeada de registos, telemetria e da memória persistente da poeira marciana no ar alentejano, sinto-me imensamente grata. A Monsaraz Mars Analog Mission foi mais do que um exercício científico; foi uma declaração de que Portugal está pronto para enfrentar o espaço, não apenas em espírito, mas através da ação, da inovação e da coragem. 

A nossa jornada para Marte e além começa aqui na Terra, apoiada por missões como a de Monsaraz, e por sistemas como o nosso robô autónomo, o Sentinel-Orb – enquanto nos preparamos para os testes de voo parabólico. São pontes entre a imaginação e a realidade, entre a simulação e a sobrevivência. Ao liderar esta missão, e tendo em conta a experiência do INESC TEC em robótica e investigação, testemunhei o futuro da exploração a tomar forma, não em galáxias distantes, mas no espírito coletivo daqueles que ousam viver como se o espaço já fosse casa. 

Desta vez, dei um passo atrás, permanecendo nos bastidores. Não estive em destaque – e nem precisei de estar. Testemunhei o surgimento de uma nova geração, apaixonada pelo espaço, pela ciência, pela descoberta e pela exploração. Foi muito gratificante observar o seu entusiasmo e, dentro de mim, cresceu um profundo sentimento de realização e de orgulho. 

Desta vez, o nosso objetivo passou por encontrar uma visão que unisse vários parceiros inspiradores, incluindo a NATIXIS (Portugal) e Leonel Godinho, Diretor do OLA, entre muitos outros. Ao nutrir esta poderosa relação, e ao aumentar o nosso impacto coletivo, seremos capazes de impulsionar ainda mais a exploração espacial em Portugal. 

Da minha secretária no Centro de Controlo da Missão, com vista para o belo Alqueva, sinto-me inspirada pelas notáveis conquistas da Humanidade. Apesar de já podermos contar com tecnologia avançada e recursos científicos inovadores, é a força das nossas relações humanas que realmente nos conduz nesta viagem de exploração. No meu caso, destaco a MCC Aurora (Slavka Andrejkovičová), a NOVARES Crew (Florence Basubas, Rafael Rebelo, Diogo Paupério e Nadine Duursma) liderada pelo comandante Pedro Pedroso, e a visão de tantos parceiros – e a forma como me ajudaram a ultrapassar esta missão, sempre com muita esperança. 

Por Ana Pires, diretora da Monsaraz Mars Analog Mission e investigadora do INESC TEC 

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