Do produtor ao retalhista, sabe quantos quilómetros percorreu o pacote de leite que usou hoje ao pequeno-almoço? Comprou café em cápsulas? Os grãos podem ter vindo da Etiópia, mas foram torrados e embalados na Europa. Sabe quantos países atravessou a sua camisola favorita até às prateleiras da loja? Quantas toneladas de dióxido de carbono foram emitidas para que um produto que comprou online chegasse a sua casa? Quanto tempo teve de esperar?
Bem-vindos ao admirável mundo da logística e das cadeias de abastecimento: uma das mais importantes e desafiantes áreas de competitividade para as empresas. A logística moderna não é apenas um problema de transporte; há modelos de otimização, inteligência artificial, experiência humana e sustentabilidade em campo, para chegar às melhores soluções e aproximar o planeamento da realidade. Do planeamento de rotas à definição de preços dinâmicos nas entregas, a logística está em processo de transformação, acelerado pelo comércio online. Mais dados geram maior incerteza e exigem soluções que combinem rapidez e inteligência. No INESC TEC, estamos a explorar algoritmos de sincronização, modelos de colaboração entre produtores, retalhistas e operadores ou simuladores aplicados a problemas complexos de transportes, mobilidade e cadeias de abastecimento. A rota está planeada…vamos?
Os problemas clássicos de roteamento (VRP – da sigla anglo saxónica Vehicle Routing Problem) são problemas de otimização matemática. Através de dados referentes a clientes, a localizações e a veículos, procura-se chegar a um resultado (ou rota) o mais eficiente possível, isto é, minimizando custos e tendo em conta restrições como os horários ou a capacidade dos veículos. No início, bastava aplicar modelos teóricos ao mundo real, mas hoje o planeamento passou a ser muito mais dinâmico e, conforme explica Fábio Neves Moreira, investigador do INESC TEC, não é possível planear entregas para cem clientes e ajustar se aparecerem 200. “Hoje, a incerteza é uma constante e precisamos de soluções que se adaptem em frações de segundo. A chave está na tomada de decisão sequencial, um conceito que integra dados em tempo real e permite reajustar planos à medida que as circunstâncias mudam”, explica.
Foi este raciocínio que conduziu Fábio Neves Moreira ao desenvolvimento de simuladores de operações. Estes sistemas permitem recriar cenários complexos (tanto em contexto de transporte urbano como de operação em loja) e treinar algoritmos de decisão em condições muito próximas do real. “Os simuladores são uma forma mais barata de errar. Podemos não só treinar, mas também testar milhares de vezes antes de aplicar uma política no terreno”, afirma. Um exemplo concreto surgiu durante a pandemia, quando um retalhista enfrentou o desafio de recolher encomendas online diretamente nas lojas. O INESC TEC criou um simulador que orientava os pickers por corredores menos congestionados. “O algoritmo aprendia que se encontrasse corredores cheios devia sugerir rotas alternativas. A ideia era maximizar o número de encomendas preparadas sem perturbar a experiência do cliente em loja”, recorda.
A investigação de Fábio Neves Moreira tem encontrado aplicação noutras áreas. Um dos exemplos é a colaboração com grupos de media, onde os algoritmos simulam trajetórias de leitores nos websites para recomendar conteúdos personalizados. Outro projeto, em contexto de retalho, aplica os mesmos princípios para otimizar a distribuição de equipas por diferentes secções de loja, integrando a preferências dos planeadores no processo de otimização.

Algoritmos e experiência humana: a combinação que faltava
São 11h30 e uma carrinha aproxima-se do local de entrega – o terceiro andar de um prédio de habitação nos arredores do Porto – para deixar uma encomenda. Ao volante, o motorista já sabe o que fazer: deixar a encomenda na papelaria do outro lado da rua, contrariando a morada do destinatário. Este desvio da rota faz toda a diferença na eficiência da entrega e é fruto da experiência, pois o Sr. Arlindo nunca está em casa ao final da manhã. Este é um dos cenários que está na origem do projeto TacitRouting, que foi distinguido com o prémio da Associação Portuguesa de Logística. A ideia era simples, mas ambiciosa: combinar modelos clássicos de otimização com abordagens de inteligência artificial e machine learning de modo a incorporar no planeamento variáveis que não costumam ser tidas em conta, mas que interferem na chamada “última milha”. “Os modelos tradicionais simplificam demasiado a realidade. O que é planeado em software raramente corresponde ao que o motorista faz no terreno. Mas há uma etapa em particular que continua a ser um desafio gigantesco: a chamada “última milha”, a fase final da entrega, que leva produtos do centro de distribuição até casa do cliente. É aqui que os custos disparam e onde a tecnologia ainda falha em dar respostas perfeitas”, explica António Galrão Ramos, investigador do INESC TEC e um dos obreiros do projeto.
E porque é que a última milha é tão cara? A explicação está nas economias de escala. Transportar um camião completo do produtor para um centro de distribuição é eficiente. Mas quando essa mesma carga é fragmentada em dezenas de carrinhas que percorrem bairros, ruas estreitas e cidades congestionadas, os custos aumentam exponencialmente. Com o crescimento do e-commerce e a pressão para entregas rápidas, o problema agravou-se. Empresas que antes faziam entregas apenas em lojas passaram a levar produtos diretamente a casa dos clientes, levando a uma maior complexidade operacional.
A discrepância entre o que é planeado e o que é executado é evidente no exemplo do Sr. Arlindo e o TacitRouting quer criar um sistema capaz de aprender com estas especificidades. “É preciso equilibrar o rigor matemático com a flexibilidade da experiência humana”, defende António Galrão Ramos. Em projetos europeus como o PEER também se exploram formas de incluir o feedback humano nos algoritmos. “Há informação que não está nos dados. A nossa missão é construir algoritmos que aprendam com essa experiência e se tornem mais robustos e ajustados às preferências do decisor”, defende Fábio Neves Moreira.
A investigação do INESC TEC não se esgota na última milha. A equipa tem trabalhado em projetos que partilham a mesma lógica de otimização. Um dos exemplos vem da indústria da cortiça, onde é preciso empilhar placas irregulares durante o processo de fabrico. “Ao contrário de caixas ou blocos regulares, cada peça de cortiça tem dimensões diferentes, o que torna o carregamento automático um desafio. Estamos a desenvolver algoritmos que indicam ao robô onde colocar cada placa, formando pilhas estáveis. É um problema complexo porque nenhuma peça é igual à outra”, explica António Galrão Ramos.

Mais justo para o produtor, mais eficiente para o retalhista
Na teoria, o planeamento de rotas parece simples: entregar encomendas dentro das janelas temporais exigidas pelos clientes, garantir que os produtos chegam com qualidade e regressar à base. Mas na prática, como descobriu a investigadora Maria João Santos, há um conjunto de variáveis, exceções e constrangimentos, que exigem modelos colaborativos, sobretudo no transporte alimentar. Se uma empresa está longe dos clientes e existe um operador logístico que já faz entregas nessa zona, porque não aproveitar a mesma viagem para recolher produtos e trazê-los de volta?
“Nos modelos clássicos, os veículos regressam vazios. Mas existe o potencial das chamadas backhauls, ou seja, um veículo não faz apenas entregas e pode também recolher mercadorias no caminho de regresso, aumentando a eficiência. Se operadores e fornecedores partilharem os mesmos recursos de transporte é uma forma de todos ganharem”, adianta a investigadora. Mas claro que há desafios associados, sobretudo quando se fala do setor alimentar. “A contaminação cruzada é um risco. Se transportamos carne, não podemos recolher outro produto no mesmo circuito. Já no setor das bebidas, o sistema funciona bem, pois entregam-se garrafas cheias e recolhem-se os vasilhames.”
Na prática, não basta afirmar que este sistema colaborativo é benéfico. Exige-se partilha de dados para que se possam definir princípios e estabelecer regras, o que nem sempre é fácil para as empresas. No projeto BeFresh, por exemplo, procuram-se soluções flexíveis em relação à exigência de que os produtos cheguem ao retalhista com pelo menos dois terços da validade. Em vez dos produtos serem rejeitados à chegada, propõe-se alternativas – descontos ou outras condições – que evitem viagens desnecessários. Segundo Maria João, “é mais justo para o produtor e mais eficiente para o retalhista.” “Se produtores, retalhistas e operadores logísticos conseguirem antecipar problemas e negociar soluções justas, todos ganham. A matemática e os algoritmos ajudam, mas só funcionam se forem aliados da realidade.”
Quando a sincronização entra em campo
Já falamos sobre o VRP, mas e se adicionarmos mais uma camada de complexidade ao desenho de rotas mais eficientes? No VRP com sincronização (VRPSync) há dependências entre rotas, conforme exemplifica o investigador do INESC TEC, Ricardo Soares: “Pode ser preciso que dois veículos cheguem ao mesmo cliente ao mesmo tempo, ou dentro de um intervalo específico. Ou pode ser necessário coordenar a chegada de veículos aos terminais de carga e descarga devido à escassez de espaço. Ou, no caso das betoneiras, a sua disponibilidade tem de ser coordenada com a chegada dos veículos que vão transportar cimento para diferentes clientes. Tudo isto são exemplos de interdependência”.
Com a expansão dos veículos autónomos, a sincronização ganha nova relevância. Ricardo Soares diz que já há situações em que camiões pesados percorrem rotas principais e drones fazem entregas em zonas mais afastadas ou de difícil acesso.
Mas como se planeiam rotas sincronizadas quando há incerteza? “Normalmente assume-se que os tempos de viagem são fixos. Mas na realidade, há atrasos, seja devido ao trânsito, a obras das estradas ou às condições meteorológicas. Para lidar com essa variabilidade, recorremos à otimização robusta”, esclarece o investigador. Não é preciso conhecer a distribuição exata das incertezas; define-se um “orçamento de incerteza” (por exemplo, a solução tem de resistir a até cinco piores cenários ao longo da operação). Esta abordagem garante que a solução de planeamento é mais confiável quando aplicada ao mundo real. O resultado é um algoritmo capaz de resolver problemas e garantir um equilíbrio entre qualidade, custo total e segurança.
Da tarifa fixa ao preço dinâmico
O consumidor compra mais online, quer entregas mais rápidas, tornou-se mais exigente. Por isso, o planeamento não pode apenas pensar em minimizar custos, mas também maximizar a satisfação do cliente.
Fábio Neves Moreira explica que o preço dinâmico de entregas ao domicílio pode ser uma das fórmulas para resolver problemas logísticos, ajustando as tarifas em função da procura, da capacidade de veículos disponíveis ou do volume da encomenda. No projeto TRUST-AI, por exemplo, foi desenvolvido um modelo de integração de time slot pricing no problema clássico de vehicle routing, permitindo otimizar rotas de distribuição considerando diferentes janelas horárias de entrega e os respetivos custos. “No passado, a tarifa de entrega era fixa, mas hoje as empresas jogam com outros dados. Se muitos clientes escolherem a mesma janela de entrega, o preço pode subir. Se houver capacidade de sobra noutras janelas, o sistema sugere valores mais baixos para atrair procura. O objetivo é equilibrar conveniência para o cliente e eficiência para a operação”, acrescenta o investigador.
A lógica é semelhante à que sustenta serviços como a Uber, mas aplicada, por exemplo, ao retalho alimentar. “Em Portugal ainda há poucas empresas com sistemas totalmente dinâmicos. Muitas preferem controlar os painéis de preços e não deixar que o algoritmo escolha a melhor combinação em cada momento. Nesta fase de transição, o desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre flexibilidade e controlo, indo ao encontro das necessidades das empresas”, acrescenta.

O futuro da logística
Para os investigadores, o caminho da logística passa pela integração de dados em tempo real, pela explicabilidade das decisões algorítmicas, pelas tecnologias emergentes, pela flexibilidade e pela crescente colaboração com a robótica. “As empresas querem saber não apenas qual é a melhor solução, mas também por que razão o algoritmo a sugere. A transparência é hoje uma exigência porque aumenta a confiança e aproxima a tecnologia dos utilizadores”, sublinha António Galrão Ramos.
A robotização é vista como inevitável, sobretudo em tarefas repetitivas ou pesadas. A longo prazo, o objetivo é claro: criar sistemas híbridos, onde algoritmos aprendem com os dados, mas também com o conhecimento humano, tornando a logística mais ágil, previsível e sustentável.
Maria João Santos acredita que a logística vai enfrentar desafios ainda maiores com a introdução de veículos elétricos e autónomos, pois estas inovações trazem novas restrições que vão desde o carregamento de baterias às regras regulatórias.
Nos anos 60, The Marvelettes imploravam ao carteiro para não se atrasar na entrega de uma carta. Em 2025, imploramos para o algoritmo para garantir que a encomenda online chega no dia e à hora certos.
Os investigadores mencionados nesta rubrica têm vínculo com o INESC TEC, o Instituto Superior de Engenharia do Porto do Politécnico do Porto, a Faculdade de Economia da Universidade do Porto e Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.