“Camões, o Mar, a Tecnologia e a Ciência Portuguesas”: entre a epopeia e as novas fronteiras do conhecimento oceânico

O oceano foi laboratório de excelência em “Camões, o Mar, a Tecnologia e a Ciência Portuguesas”. A 16 de abril, o Museu Nacional Soares dos Reis acolheu um colóquio centrado no mar lusitano, sob a aura do progresso tecnológico do passado e na perspetiva de um horizonte disruptivo, sustentável e alicerçado na Economia Azul.

O evento, organizado pelo INESC TEC através do INESCTEC.OCEAN, insere-se não só no âmbito das comemorações dos 40 anos do Instituto, mas é também inspirado pelos 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões. A partir desta data histórica, o colóquio procurou compreender o mundo tecnológico e científico português dos séculos XV e XVI, altamente focado na exploração marítima, e como essa época pode motivar novos e ousados empreendimentos no mar.

A partir da superfície do oceano navegado, tal como nas viagens descritas por Camões, é a altura de Portugal – e o mundo – mergulhar na investigação da coluna de água e fundo do mar, na exploração da potencialidade do oceano e dos recursos marinhos em profundidade.

O colóquio também abordou as capacidades tecnológicas e de inovação da instituição, sobretudo no que concerne às competências avançadas de robótica marinha. Entre o passado e o presente, o evento projetou-se num futuro ecossistema oceânico altamente estruturado, em que predomina a robótica subaquática residente, fundamental para a investigação e exploração do mar profundo.

“A ciência é a nossa bússola”, sublinha João Peças Lopes, na abertura do colóquio. O Presidente da Comissão Organizadora das celebrações dos 40 anos do INESC TEC aponta que “o Adamastor já não assombra os nossos navegadores”: atualmente, “os mares que cruzamos não são de águas salgadas, mas sim mares de dados, de conhecimento, de inovação”.

“As caravelas modernas são laboratórios, centros de investigação, start-ups, universidades e centros tecnológicos. E os nossos navegadores são cientistas, engenheiros, empreendedores, investigadores, pessoas que se atrevem a sonhar, a criar, a transformar”, ilustra o professor Peças Lopes.

Por sua vez, a intervenção de João Claro focou-se no “significado duplamente simbólico” do evento: “Por um lado, associa-se às comemorações do quinto centenário do nascimento de Luís Vaz de Camões. Por outro, este colóquio integra as comemorações dos 40 anos do INESC TEC”.

Para o Presidente do Conselho de Administração da instituição, o momento permitiu não só “revisitar o conhecimento científico e tecnológico da altura”, mas também “evocar as qualidades que permanecem essenciais para o futuro da ciência e tecnologia e da sociedade, como a inquietação, a visão e a ousadia”.

“No cruzamento do espírito destas duas comemorações, este colóquio constitui-se como um encontro entre memória e projeto, passado e futuro. O mar terá sido o mais importante destino do desenvolvimento científico e tecnológico de Portugal”, remata.

É na “feliz coincidência” das celebrações que Lídia Bulcão reforça a “reflexão sobre o passado e o futuro, entre a epopeia e as novas fronteiras do conhecimento e da tecnologia ao serviço do mar”. “Recordar Camões é também reconhecer a matriz oceânica da nossa história coletiva”, clarifica.

De acordo com a Secretária de Estado do Mar, o “oceano do nosso tempo continua a ser um espaço de mistério, de risco e de oportunidade, tal como no tempo de Camões”. “Não tenhamos medo de dizer que Portugal continua na linha da frente de várias áreas emergentes da Economia Azul: na energia renovável offshore, na biotecnologia azul, na robótica marinha, que nos permitem conhecer melhor e proteger o fundo marinho”, frisa a representante do Governo.

É precisamente na promoção do investimento nos oceanos que Ana Paiva sublinha um dos projetos do “futuro do INESC TEC”: o INESCTEC.OCEAN. No seu discurso, a Secretária de Estado da Ciência enfatiza a importância de “todo o conhecimento gerado nestes 40 anos, para seguir, cada vez mais, por mares nunca dantes navegados”.

O português como língua dos oceanos

Ao longo do dia, várias apresentações e intervenções de investigadores concretizaram a profecia lançada pela abertura do colóquio, esticando as horas de duração do evento para séculos de história e progresso científico e tecnológico.

Henrique Leitão explorou a riqueza do conhecimento e total disrupção científica das navegações de Portugal na época. Para o investigador principal no Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT) da Universidade de Lisboa (UL), o início das explorações marítimas portuguesas foi “absolutamente surpreendente”.

“Como é que em 40 anos, aquilo que era a experiência exclusiva dos europeus – navegar no Mediterrâneo, na segurança das costas -, aparecem uns marinheiros estranhos de um país pobre, subdesenvolvido e periférico e começam a fazer viagens planetárias?”, interroga-se.

Do século XVI avançamos para 2025, com Eduardo Silva a abordar os desafios das infraestruturas científicas e tecnológicas, “que residam no fundo do mar, como a robótica” ou um porto submarino. Ou seja, o “desenvolvimento de infraestruturas para Investigação & Desenvolvimento de excelência”.

Nesse sentido, coordenador científico do INESCTEC.OCEAN e investigador do INESC TEC acredita que, tal como, “há 500 anos, as políticas públicas criaram um conjunto de instituições, infraestruturas e regras que ajudavam ao desenvolvimento científico”, esse modelo pode ser replicado ou até reforçado nos dias que correm.

O objetivo é o de dar corpo à força científica e tecnológica portuguesa na área, culminando até com um cenário em que “a linguagem da comunidade científica da engenharia oceânica seja o português”. “E que a comunidade internacional queira aprender português para falar connosco, que queira fazê-lo para trabalhar connosco”, salienta o investigador.

Entre as navegações do mar português e o futuro projetado pelo INESC TEC, o evento continuou a refletir sobre a riqueza do conhecimento científico e tecnológico nacional sobre o oceano e a promoção de uma postura proativa e disruptiva para atividades de investigação, desenvolvimento e inovação (I&D+I) constantes.

Joaquim Alves Gaspar, especialista em Navegação e Cartografia Matemática do CIUHCT-UL, apresentou detalhes da evolução da cartografia marítima, sobretudo aquela associada à circum-navegação de Fernão de Magalhães. Regressando ao presente, José Miguel Almeida, investigador do INESC TEC, fez a ponte entre as capacidades atuais de robótica marinha da instituição e as necessidades de infraestruturação oceânica do futuro.

Após um convívio de almoço, foi a vez de Filipe Castro subir ao púlpito. O investigador do polo de História, Territórios e Comunidades (HTC) do Centro de Ecologia Funcional da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade de Coimbra, dada a sua vasta experiência em arqueologia subaquática, abordou a investigação, passada e atual, dos equipamentos e tecnologias associados à construção naval portuguesa do século XVI.

Já Miguel Miranda argumentou sobre a necessidade de iniciativa e de resiliência na catalisação das potencialidades do mar, sob um planeta ameaçado pela escassez de recursos. Com base na história portuguesa, o Diretor Executivo do AIR Centre destaca a responsabilidade para definir o futuro que se quer construir no mar.

Ainda antes da mesa-redonda, Henrique Leitão voltou com nova apresentação, dessa vez sobre os feitos científicos e académicos do matemático e cosmógrafo-mor Pedro Nunes – aquele que, para o investigador, terá sido o maior cientista da história de Portugal.

“Neptuno antes de Marte”

Moderado por Pedro Urbano Lima, Presidente do Instituto de Sistemas e Robótica do Instituto Superior Técnico (ISR-IST), o momento de mesa-redonda do colóquio reuniu uma seleção diversa de convidados para uma discussão sobre os desafios do mar como motor de investigação, de desenvolvimento e de um futuro sustentável.

Luísa Bastos, investigadora sénior no Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), realça que um dos principais desafios já foi ultrapassado: a capacidade de localização no mar. No passado, persistiram dificuldades em “determinar a longitude, manter um registo preciso da hora ou usar cartas náuticas fiáveis”. Atualmente, “’qualquer pessoa’ com um GPS” terá maior facilidade nessa tarefa.

Já Ana Paula Mucha salienta que o desafio passa por fazer ciência consciente e assente em alicerces de sustentabilidade, isto é, um ato de “conhecer para preservar”. “O desafio é o da tecnologia ser posta ao serviço da proteção dos oceanos”, complementa.

A investigadora e membro da direção do CIIMAR destaca a necessidade de “desenvolver ferramentas que permitam recolher dados físicos, químicos e biológicos” que não só contribuam para “o conhecimento e proteção dos ecossistemas marinhos”, mas que também sejam úteis para a bioprospecção: “Ver o que é que existe nestes ecossistemas que pode ser útil para a humanidade, para o desenvolvimento de medicação, de métodos de combate à poluição e às alterações climáticas”.

Sob um ponto de vista das políticas públicas, João Filipe Queiró, professor catedrático de Matemática na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, aponta à necessidade de fomento de uma economia mais robusta e de atração do investimento privado. Olhando para o passado, o antigo Secretário de Estado do Ensino Superior refere que, “em Portugal, o esforço das navegações foi promovido pelo que hoje chamaríamos de Estado”, enquanto em “Inglaterra e nos Países Baixos havia companhias privadas gigantescas, a quem a Coroa entregou o monopólio de exploração”.

Para o docente, a comparação é “interessante, uma vez que a ciência e tecnologia em Portugal, ainda hoje, é sobretudo promovida pelo Estado”, devido ao que considera ser um ecossistema económico “fraco”. “A inovação, sobretudo a que é motivada pelo interesse comercial, tem de ser puxada pela economia real. Se a economia é fraca, não puxa por isto. E isto lança-nos uma interrogação grande sobre o futuro.”

É precisamente sobre a necessidade de um investimento mais robusto que se debruça José Manuel Mendonça. O coordenador do INESCTEC.OCEAN e ex-Presidente do INESC TEC começa por mencionar que a Economia Azul “apenas contempla 3 a 4% da economia global, mas que pode quadruplicar nos próximos 20 anos”. “O próprio Pacto Europeu para os Oceanos assume o desafio: ‘Neptuno antes de Marte’.”

No entanto, José Manuel Mendonça relembra um “desafio enorme”: explorar o “mar profundo é mais complicado, arriscado e dispendioso do que explorar o espaço”. Ainda assim, afirma que só a aposta firme “na ciência, no conhecimento, na investigação profunda” permite aproveitar o vasto potencial dos oceanos.

O INESC TEC e o mar: o futuro azul do INESCTEC.OCEAN

Depois de um interlúdio musical de piano, apresentado pelo pianista e compositor Carlos Azevedo, codiretor musical da Orquestra de Jazz de Matosinhos, chegou a vez de Aníbal Matos encerrar “Camões, o Mar, a Tecnologia e a Ciência Portuguesas”.

O membro da Administração do INESC TEC lança várias inquietações e motivações para a investigação futura, desde a elementar recolha de dados aos princípios da ‘Ciência Aberta’: “Atualmente temos e recolhemos muitos dados, mas estamos a torná-los disponíveis à comunidade, de uma forma sistemática e fácil? Quando desenvolvemos a robótica, quais são as nossas motivações? Porque é que o fazemos? É para observar o oceano? É para recolher dados, recursos?”

Sob as várias interrogações, Aníbal Matos sublinha que o mais essencial é “saber aproveitar as oportunidades que temos para fazer ciência e desenvolver tecnologia com impacto e não nos limitarmos a deixar que venham os ‘outros’, com os seus desenvolvimentos científicos e tecnológicos”. “Temos de ser capazes de reduzir o tempo de desenvolvimento e de capacitar pessoas para equipas multidisciplinares”, acrescenta.

O investigador do INESC TEC diz ainda ter “ficado claro qual é o papel do INESCTEC.OCEAN nestes novos desenvolvimentos”. O investigador salienta não só tratar-se de “um projeto de capacitação de pessoas, mas também de desenvolvimento de infraestruturas, que nos permitem acelerar todo o teste de equipamentos e sermos capazes de os testar não só em tanques, bacias oceânicas, mas também no próprio oceano”.

 

Os investigadores do INESC TEC mencionados na notícia têm ligação ao INESC TEC, à UP-FEUP e ao IPP-ISEP.

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