Telecomunicações e multimédia, fotónica aplicada, software confiável e sistemas de computação avançada – são estas as quatro áreas que os investigadores do INESC TEC vão trabalhar no âmbito dos cinco projetos que foram aprovados através do Concurso de Projetos Exploratórios da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).
O financiamento atribuído pela FCT a cada projeto era de, no máximo, 50 mil euros, valor esse conseguido quase na totalidade pelos cinco projetos, que tiveram orçamentos aprovados todos eles acima dos 49 mil euros. Assim, com um orçamento total de quase 250 mil euros, os investigadores do INESC TEC vão trabalhar, nos próximos meses, em ideias inovadoras em projetos de investigação de carácter exploratório.
Desde cabos de fibra ótica que podem ajudar a orientar a prevenção de desastres, a redes voadoras autónomas sem fios que podem ser utilizadas em cenários extremos como catástrofes naturais, ao desenvolvimento de dispositivos energeticamente mais eficientes, passando por uma maior privacidade de dados e uma adoção mais ampla de linguagens de programação, são vários os investigadores do INESC TEC que vão trabalhar, durante 18 meses, em soluções inovadoras para a ciência e para a sociedade.
Telecomunicações e fotónica – como se relacionam e como podem ajudar a orientar a prevenção para desastres e impulsionar a pesquisa climática?
Há cabos de fibra ótica no fundo mar que utilizam luz para transmitir e transportar grandes volumes de dados, a longas distâncias e a alta velocidade. Para que tudo isto seja possível, esses cabos têm de utilizar métodos sofisticados de transmissão. Um desses métodos utiliza a polarização, além da amplitude e da fase de um sinal, para a transmissão de informação. A polarização refere-se à orientação do campo elétrico da luz, que pode ser influenciada por ambientes externos, como fenómenos no fundo do oceano. É precisamente explorando a polarização da luz que o projeto GEOSENSE – que vai contar com contributos de duas áreas de investigação do INESC TEC – telecomunicações e fotónica – e o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), – vai trabalhar. O objetivo principal do projeto é o de estudar e compreender como a polarização em sistemas óticos coerentes é afetada nos cabos ótimos submarinos, de modo a explorar o seu potencial como ferramenta de sensorização geofísica a uma escala mundial.
Esta investigação pode tornar possível a monitorização, em tempo real, de atividades sísmicas, variações de temperatura ou condições oceânicas, numa escala nunca alcançada. Estes aspetos terão, assim, um forte impacto societal ao permitir uma melhor prevenção e preparação no que diz respeito a desastres. Por outro lado, prevê-se que o projeto possa servir como um forte impulsionador na área da pesquisa climática e na otimização da gestão de recursos, oferecendo uma compreensão mais profunda dos processos dinâmicos do planeta.
“O projeto pretende desenvolver um modelo de simulação de um sistema de transmissão coerente de longa distância para avaliar a sensibilidade das fibras óticas a perturbações externas em cabos submarinos. Além disso, serão conduzidas experiências em laboratório com um sistema de transmissão coerente de, pelo menos, 100 km de extensão, submetido a diferentes efeitos externos de stress e deformação que mimetizam fenómenos geofísicos, permitindo a comparação com dados reais fornecidos pelos atuais sistemas de telecomunicações”, explica Susana Silva, investigadora do INESC TEC, responsável pelo projeto.
Compreender como os diferentes fenómenos geofísicos impactam o sinal ótico em cabos submarinos pode superar as limitações das tecnologias atuais. A aquisição deste conhecimento será uma nova e poderosa ferramenta para a ciência geofísica a nível global, contribuindo significativamente para a pesquisa científica e para os esforços de monitorização ambiental.
Outra das inovações do projeto prende-se com a aplicação de técnicas de machine learning para interpretar os dados recolhidos, o que pode vir também a representar uma nova frente de investigação na área do big data, aplicada à geofísica.
“Os dados recolhidos vão permitir-nos identificar padrões, detetar anomalias e prever tendências. Tudo isto será fundamental na contribuição para o desenvolvimento de ferramentas de visualização que auxiliem investigadores e tomadores de decisão na interpretação eficaz das informações geofísicas recolhidas”, explica Henrique Salgado, investigador do INESC TEC também envolvido no projeto.
A colaboração com o IPMA neste projeto de 18 meses, liderado pelo INESC TEC, reforça a viabilidade prática da investigação, garantindo que os resultados atingidos possam ser aplicados em cenários reais, como a monitorização de cabos submarinos em Portugal.
Como se cria uma rede de drones controlada por inteligência artificial que pode ser utilizada em cenários como desastres naturais?
Chama-se FALCON o projeto liderado pelo INESC TEC e que vai desenvolver uma rede de drones que funcionam como pontos de acesso sem fios – como se routers voadores se tratassem -, gerida por agentes de inteligência artificial. Estes desenvolvimentos terão um impacto significativo na sociedade, ao melhorar a capacidade de comunicar sem fios em diferentes ambientes, incluindo cenários extremos como emergências e desastres naturais.
Como é que os investigadores do INESC TEC, que trabalham no domínio de comunicações, vão conseguir desenvolver esta rede? Com base na análise semântica das comunicações entre utilizadores no solo e de dados multimodais – como texto, áudio e imagem. Estes aspetos vão permitir à rede de drones percecionar o ambiente, determinar o contexto em que se insere e definir, de forma inteligente, a configuração mais adequada para os seus utilizadores.
“Desta forma, os drones posicionar-se-ão e reconfigurar-se-ão autónoma e dinamicamente, sem intervenção humana, para dar cobertura sem fios e responder às necessidades de comunicações dos utilizadores”, explica Rui Campos, investigador do INESC TEC responsável por este projeto.
A solução que vai ser desenvolvida pelos investigadores do INESC TEC vai permitir criar redes sem fios estáveis e autónomas, com especial importância em cenários onde as infraestruturas permanentes estão danificadas, sobreutilizadas ou inacessíveis, promovendo o desenvolvimento de territórios e cidades mais inteligentes, e melhorando a qualidade de vida e a segurança das populações.
“Ao explorar a aplicação de Inteligência Artificial e Modelos de Linguagem de Grande Dimensão (LLMs) em redes voadoras, a solução a desenvolver no projeto FALCON permitirá uma análise semântica, tanto do ambiente quanto das comunicações, abrindo caminho para redes voadoras responsivas e autónomas, com potencial para aumentar a fiabilidade de infraestruturas de comunicações críticas”, explica o investigador do INESC TEC André Coelho, que colidera este projeto.
O INESC TEC conta já com dez anos de investigação na área das redes voadoras. Espera-se que o projeto FALCON produza novos resultados científicos relevantes, assentes na investigação até aqui realizada, e uma solução com impacto económico e social significativo, no que diz respeito às redes de comunicações autónomas e verdadeiramente inteligentes.
Como tornar dispositivos mais eficientes do ponto de vista energético?
Chama-se AIMaCo-V o projeto que, durante 18 meses, vai ter investigadores do INESC TEC a trabalhar para melhorar o desempenho de um tipo específico de processador chamado “Coarse Grained Reconfigurable Array” (CGRA). O CGRA é uma tecnologia promissora para ser utilizada em dispositivos que precisam de ser eficientes do ponto de vista energético, como os sistemas que são usados em carros, drones, dispositivos inteligentes, entre outros. Embora esta tecnologia já ofereça algumas vantagens no que diz respeito à eficiência energética, o sistema ainda não é amplamente utilizado porque o seu processo de compilação – isto é, a forma como o código escrito é transformado para funcionar nos processadores – é muito demorado.
Nesse sentido, os investigadores vão tentar resolver esse obstáculo e, para tal, vão aplicar técnicas de inteligência artificial capazes de acelerar o processo de compilação, o que poderá resultar numa redução do tempo de horas para minutos.
“Para além disso, vamos também integrar os processadores CGRA com processadores RISC-V, que são processadores abertos – open source – e muito utilizados em projetos de hardware de baixo custo. Será um contributo para beneficiar a comunidade de developers que trabalha com hardware open source”, explica Nuno Paulino, investigador do INESC TEC responsável pelo projeto AIMaCO-V.
Espera-se que, por isso, num prazo de 18 meses, o INESC TEC consiga encontrar soluções para tornar esta tecnologia mais prática e eficiente, facilitando a sua utilização em dispositivos que exigem um bom desempenho, mas também um baixo consumo de energia.
Como garantimos privacidade dos dados quando o aumento da necessidade de partilha é cada vez maior?
Outro dos projetos aprovados chama-se TSP2Net (Time Series Privacy-Preserving: New Approaches via Complex Networks) e, ao longo também de 18 meses, vai ter investigadores do INESC TEC, da área dos sistemas de computação avançada, a trabalhar numa solução focada na proteção e preservação da privacidade de dados temporais. Esta solução trará benefícios claros na proteção da privacidade individual, no que diz respeito a questões de conformidade com regulamentações de proteção de dados. Nesse sentido, universidades, empresas e até entidades governamentais poderão utilizar os novos métodos para partilhar dados de forma segura, evitando o risco de re-identificação.
O principal objetivo? Explorar e desenvolver novas abordagens, que se baseiem em redes complexas, de modo a lidar com os desafios que a questão da privacidade em séries temporais acarreta, enquanto se garante uma partilha segura destes dados, especialmente em áreas como a energia. Para desenvolver esta solução, os investigadores vão criar uma camada extra de proteção, como um mecanismo de preservação da privacidade, representando e compartilhando os dados originais na forma de redes complexas (ou seja, sob uma estrutura de dados completamente diferente). “Para além disso, vamos desenvolver métodos inversos – re-transformação – baseados em redes, capazes de gerar uma nova série temporal sintética a partir das redes dos dados originais, preservando as propriedades essenciais dos dados, mas garantindo a privacidade de informações confidenciais e re-identificáveis”, explica a investigadora Vanessa Freitas Silva, responsável pelo TSP2Net.
Como vão os investigadores desenvolver todos estes aspetos? “O INESC TEC tem uma estrutura que permite a proliferação e disponibilização de conhecimento em diferentes domínios científicos que são essenciais para o sucesso do desenvolvimento deste projeto, principalmente nas áreas da Ciência e Engenharia de Computadores, Inteligência Artificial e Sistemas de Energia”, explica a investigadora. Para além disso, há vários recursos à disposição da instituição que vão servir para beneficiar este projeto. Um dos exemplos é o acesso a dados de séries em tempo real – neste caso com o foco na área de energia – e a existência de problemas de aplicação para os quais este projeto pode contribuir, tais como a partilha segura desses dados.
Além disso, o projeto traz inovações para a ciência, abrindo novas possibilidades na segurança de dados, com impacto em áreas como saúde, economia e inteligência artificial. Ao possibilitar a partilha segura de dados, o projeto pode acelerar novos avanços científicos e tecnológicos.
Como aumentar a confiabilidade do software através da reparação automática de programas?
Através do projeto VeriFixer, investigadores do INESC TEC vão desenvolver técnicas para a reparação automática de programas escritos numa linguagem de programação com suporte para verificação de software.
Tantas vezes esquecido pela maioria dos utilizadores, o software é parte integrante de todos os dispositivos digitais que orientam a nossa comunicação instantânea, diagnósticos médicos, ou transporte. O mesmo se aplica às aplicações destinadas à troca de dados. A preponderância destes dispositivos coloca um peso especial num software livre de falhas, essencial para garantir a confidencialidade de dados, a correta identificação de doenças, ou a segurança humana.
No entanto, escrever software sem falhas ou identificá-las não é uma tarefa simples. Neste contexto, a Reparação Automática de Programas (RAP) surge como uma abordagem promissora para a correção automática de falhas em código de software.
“Em sistemas críticos, são necessárias garantias adicionais de que o software se comporta exatamente como esperado, garantias essas que podem ser obtidas por meio da verificação de software”, contextualiza Alexandra Mendes. Várias linguagens de programação com suporte para verificação estão disponíveis e permitem que este processo de verificação decorra juntamente com o desenvolvimento do código. Ao usá-las para escrever código, as falhas são geralmente indicadas por um verificador que avisa o programador quando a especificação – a descrição rigorosa das propriedades que o programa deve garantir – não é satisfeita. Tal indica que o programa não se comporta como esperado.
“Embora esta abordagem ajude os programadores a detectarem falhas no código, a reparação destas falhas continua a ser feita manualmente, uma vez que o trabalho existente em RAP para linguagens com suporte para verificação ainda é escasso”, prossegue a investigadora do INESC TEC. Este projeto visa, precisamente, ajudar os programadores nesta tarefa de reparação.
A visão do VeriFixer a curto prazo é construir uma ferramenta de código aberto que apoie os utilizadores na reparação de falhas em linguagens de programação com suporte para verificação e fornecer à comunidade conjuntos de dados de referência com exemplos de código do mundo real para apoiar novos desenvolvimentos nesta área. Ao reduzir as falhas, os erros e as vulnerabilidades, as linguagens com suporte para verificação revelam-se particularmente valiosas em áreas críticas como a medicina, a indústria aeroespacial e o setor financeiro.
Dada a natureza exploratória do projeto — que conta com investigadores na área do software confiável —, o foco está numa linguagem de programação específica, Dafny, que é utilizada por empresas como a Amazon Web Services. No entanto, as técnicas desenvolvidas através do Verifixer serão adaptáveis a outros contextos e linguagens.
Desenvolvido em parceria com investigadores do INESC ID e da Carnegie Mellon University, outro dos objetivos do projeto é incentivar uma adoção mais ampla de linguagens de programação com suporte para verificação e reduzir o esforço de reparação de programas escritos nessas linguagens. Em última análise, tal contribuirá para o desenvolvimento de tecnologias de software mais seguras e fiáveis, beneficiando diretamente a sociedade.
Os investigadores mencionados na notícia têm vínculo ao INESC TEC, UP-FEUP, UP-FCUP e U-MINHO.