Mulheres e Meninas na Ciência: uma luta apenas delas?

Por Tiago Gonçalves, Assistente de Investigação no Centro de Telecomunicações e Multimédia (CTM)

No dia 22 de dezembro de 2015, a 70.ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou o dia 11 de fevereiro como o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. Respondendo ao desafio que o INESC TEC me lançou, com o objetivo de (tentar) trazer uma perspetiva masculina sobre este marco importante, tentarei mostrar a importância da união de toda a comunidade científica na celebração deste dia. Em primeiro lugar, é fundamental que reconheçamos que participar, direta ou indiretamente, nesta comemoração é, também, contribuir para o cumprimento, na sua plenitude, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que nos diz que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Certamente que todas as pessoas são diferentes e, ao mesmo tempo que é importante reconhecer essas diferenças, é, também, fulcral, garantir que não estamos a utilizar essas diferenças para perpetuar normas e regras injustas, que poderão beneficiar pessoas com determinadas características (e.g., orientação sexual, sexo, tom de pele), em detrimento de outras, de uma forma opaca (e incorreta). Ora, neste ano de 2022, o que sabemos atualmente é que as mulheres continuam a ser sub-representadas nas carreiras de investigação e inovação, apesar de constituírem aproximadamente metade do universo de pessoas doutoradas. Isto, no mínimo, faz-nos pensar.  

Permitam-me confessar, que, apenas recentemente, comecei a olhar para estas questões de uma forma mais ativa e séria pelo simples facto de ter uma irmã mais nova e de acompanhar algumas das suas adversidades do dia-a-dia, que aconteciam pelo simples facto de ela ter nascido mulher. Quanto mais informação recolhia, mais me apercebia que a probabilidade de algumas destas coisas me acontecerem era muito próxima de zero (sim, o tão falado viés de género é, aparentemente, real). Foi também aí que me apercebi que, na Ciência (e na Sociedade Civil), enquanto homem, posso simplesmente aproveitar este tão mencionado privilégio para fazer alguma coisa em prol da justiça. Aliás, esta ideia não tem absolutamente nada de novo. Basta que recuemos até 1903, ano em que Antoine Henri Becquerel, Pierre Curie e Marie Curie, née Sklodowska partilharam o Prémio Nobel da Física. Na nomeação inicial, o nome de Marie Curie não estava incluído, ainda que se soubesse que ela e Pierre tinham desenvolvido toda a investigação em conjunto. Ora, à luz da época, Pierre podia ter simplesmente ignorado e, de forma, passiva, ter recebido o prémio que (também) merecia. Verdade é que, sabendo que a sua voz seria ouvida, lutou para que o nome de Marie fosse incluído na nomeação e acabou por ser um elemento importante na história da primeira mulher a ganhar um Prémio Nobel. Em 1906, Marie Curie foi, também, a primeira mulher a exercer o cargo de Professora Universitária, substituindo, precisamente, o seu marido, Pierre Curie (falecido, entretanto). São histórias como a de Marie e de Pierre Curie que me fazem ver o quão importante é, também, o trabalho dos homens na defesa de valores feministas e na celebração de marcos como o dia 11 de fevereiro ou o dia 8 de março (Dia Internacional da Mulher). Ao contrário do que muitos (homens e mulheres), aparentemente, pensam, não se trata de sobrepor determinado sexo ou género acima de outro. Trata-se de quebrar estigmas, de desconstruir estereótipos, de lutar contra os vieses e de mudar o paradigma. Por isso, ser homem e lutar pelos direitos das mulheres, trata-se na realidade, de lutar por uma Sociedade mais justa e equitativa, onde reconhecemos as diferenças, mas lutamos, lado a lado, por direitos e oportunidades iguais.  

Não acredito que devamos forçar pessoas, sejam elas do sexo feminino ou masculino, a seguirem determinadas áreas académicas ou profissionais para preencher quotas (ainda que reconheça, em certos contextos, a sua importância). Não obstante, isto não quer dizer que não se devam apoiar iniciativas que contribuem para sensibilizar determinados grupos de pessoas, historicamente discriminadas, de que efetivamente têm liberdade para serem o que quiserem. Mais do considerarmos que há aqui uma tentativa de discriminar positivamente esses grupos, há, na minha perspetiva, uma forma de lhes dizer que estamos, enquanto Sociedade, a lutar para que as suas escolhas não estejam a ser negativamente condicionadas de forma abusiva. Felizmente, neste âmbito, existem pessoas relevantes nas suas áreas que tentam contribuir para a resolução destes problemas. Na Ciência, permitam-me destacar o trabalho feito pela Elvira Fortunato que é, possivelmente, uma das mulheres (e, em boa verdade, uma das pessoas) mais relevantes da Comunidade Científica Portuguesa. Em parceria com a Barbie (um brinquedo genericamente associado ao sexo feminino), a cientista portuguesa foi uma das promotoras do programa “Meninas na Ciência powered by Barbie”, que garantiu uma bolsa de estudos integral a uma menina do Ensino Secundário que quisesse seguir um curso de Ensino Superior nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia, e Matemática (atualmente designadas por STEM). Quererei eu, a partir de agora, desvalorizar o trabalho dos homens da Ciência? Absolutamente que não. Simplesmente, quero, também, mostrar que o sexo é um atributo que não deveria entrar na discussão sobre a qualidade científica das pessoas e que, por isso, é importante mostrar que na Ciência, existem exemplos de pessoas excecionais que não são, exclusivamente, do sexo masculino.  

Vivemos tempos interessantes e, a minha perceção é que, cada vez mais, temas relacionados com o tópico de diversidade e inclusão estarão a debate em diversos fóruns. Enquanto homem da Ciência e, involuntariamente, membro de um grupo privilegiado, cabe-me contribuir para que esta Comunidade seja mais diversificada e mais inclusiva. Poderá o debate, em determinado momento, estar polarizado e, eventualmente, extremado? Claro que sim, especialmente, à luz do atual contexto em que vivemos. Contudo, especialmente na Comunidade Científica, é imperativo que promovamos conversas que recorrem ao pensamento crítico e que sejam honestamente intelectuais. Até porque, creio que deva ser intenção de toda a gente (ou, pelo menos, da larga maioria) desenvolver um caminho que nos direcione, de facto, para a justiça e para a equidade, e não para a segregação desenfreada. Certo de que toda a gente terá uma palavra a dizer, espero, nos próximos tempos, continuar a ouvir e a intervir, no sentido de materializar essa aprendizagem em medidas objetivas que nos possam beneficiar enquanto Comunidade e Sociedade.

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