Aprendizagem imersiva: não é ficção, é o futuro.

Estamos todos mais próximos, ainda que fisicamente mais distantes. Os desafios sociais impostos pela pandemia, em 2020, impulsionaram a transformação digital. Passamos a reunir-nos, a trabalhar e a fazer formação à distância e tornamo-nos tecnologicamente mais autónomos e permeáveis à inovação. Os ambientes imersivos (falamos de realidade virtual, mas não só) já não são apenas tema de obras literárias ou cinematográficas. Mas parece haver alguns receios[1]. Estaremos a alhear-nos da realidade? Vamos perder as ligações emocionais?

Calma! Vamos fazer uma viagem no tempo. No século XIX, foram publicados vários posters ilustrados que mostravam pessoas eletrocutadas, no emaranhado de fios de uma nova tecnologia chamada eletricidade. Perspetivava-se um futuro negro, em que milhares (senão milhões) morreriam numa teia de alta voltagem. Não aconteceu! Em 1950, o escritor Isaac Asimov lança o livro I, Robot, uma coletânea de 10 contos que, combinados, retratam um século XXI dominado por robôs inteligentes (mas sem qualquer réstia de moralidade), que ameaçam a espécie humana. Aqui chegados, (ainda) não aconteceu. No cinema, os irmãos Wachowski criaram um futuro distópico no qual todos vivem na Matrix, uma realidade simulada por inteligência artificial (AI). Quase 25 anos depois, e os avanços e recuos na AI continuam, e estamos longe de ser subjugados por máquinas com autoconsciência. Em 2011, o livro Ready Player One  (adaptado depois ao cinema), imagina um mundo em colapso no ano 2044, onde a realidade virtual é, mais do que um escape, a única forma das pessoas interagirem. “Video killed the Radio Star”? Nem por isso! Deixámos mesmo de ler livros à conta da televisão e do telemóvel? Dizem as estatísticas que, graças ao fenómeno BookTok (comunidade de leitores que partilham recomendações em vídeo no TikTok) há cada vez mais leitores (e, vocês estão desse lado, a ler!).

As tecnologias de realidade virtual, aumentada e expandida têm o potencial de se tornarem, no futuro, a abordagem principal para uma formação de alta qualidade. Vamos descobrir que soluções estão a ser estudadas no INESC TEC?

 

Coreografar a formação: o futuro dos ambientes imersivos  

A Realidade Virtual é uma tecnologia fantástica para fornecer ferramentas de formação eficazes, seguras e controladas, em cenários realistas. Contudo, a implementação de tais programas de formação requer um esforço significativo, desde os custos associados à transferência de conhecimentos até à aceitação da tecnologia pelos funcionários de uma empresa, por exemplo. É para dar resposta a este problema que surge o  VRTrainingIndustry – uma solução para as limitações dos ambientes imersivos em contexto de formação.

“Se eu quiser um simulador de formação em 3D, contrato uma equipa de designers e informáticos para (re)criar um espaço onde se possa usar ferramentas e executar tarefas concretas. Mas, ao fim de uns meses, esta formação está desatualizada, o processo mudou e é necessário chamar a equipa informática para reprogramar a plataforma. Isto é o que geralmente inviabiliza a utilização dos ambientes imersivos na formação; é um investimento de atualização demasiado avultado”, explica Leonel Morgado, investigador do Centro de Computação Centrada no Humano e Ciência da Informação (HumanISE) do INESC TEC e responsável pelo projeto.

Esta ferramenta, que permite rentabilizar a tecnologia imersiva, foi aplicada, inicialmente, na formação de procedimentos de manutenção de turbinas eólicas de uma empresa multinacional dinamarquesa. No ambiente virtual, existe informação descritiva e ações a desempenhar, que são estruturadas como procedimentos, conforme explica o investigador do HumanISE. A informação sobre a estrutura do curso, os ambientes, as ferramentas e os modelos é armazenada localmente, e todas as ações e procedimentos são convertidos em coreografias virtuais (e não, não estamos a falar de uma dança, mas de padrões de comportamentos no tempo e no espaço, ou seja, a coordenação de passos está lá).

As coreografias virtuais, que estão na base de projetos como o VRTrainingIndustry e o FronTowns, permitem rentabilizar a tecnologia imersiva.

“De uma forma interativa, o formador cria e edita cursos e a sua estrutura, através da interface imersiva, configura o ambiente, seleciona ou limita as interações disponíveis ou acrescenta documentação técnica. Isto significa também que podemos fazer a mesma simulação noutra tecnologia, por exemplo, bastando refazer o mapeamento. Se tiver definido 800 tarefas posso reaplicá-las a outra plataforma. Numa coreografia virtual, não há coordenadas X, Y ou Z, nem marcas temporais de K segundos, mas ações mais objetivas como tirar a tampa, fechar a porta, entre outros. Além disso, essas ações podem depois ser analisadas de forma mais inteligente e significativa. Isso aumenta bastante a utilidade das simulações 3D”, acrescenta.

É também este conceito de coreografia que está por detrás do projeto FronTowns, que pretende reconstituir e estudar a evolução do espaço urbano de Castelo de Vide e Cáceres. A mesma narrativa histórica poderá ser contada em diferentes espaços e plataformas, sem o risco de se perder a sua utilidade com a evolução das tecnologias.

“Fazemos as histórias numa ferramenta do tipo ’storyboard’. Depois podem ser vistas num espaço 3D ou através de smartphones ou tablets no espaço físico real.  Temos a narrativa das histórias a dar contexto ao que vemos, temos as opções das histórias interativas para definir o que sucede a seguir e podemos deslocar-nos pelo ambiente”, refere Leonel Morgado.

Abre-se assim a possibilidade de aprender sobre história(s), vivenciando-a(s). “Encarar os ambientes como imersivos permite direcionar a intervenção de educadores e de criadores de ambientes para mais do que apenas o conteúdo visual. Permite que se considere também a narrativa que dá significado e as oportunidades de agência”, conclui

 

Um Marketplace de soluções tecnológicas para a formação

Estimular a utilização de tecnologias como a Realidade Virtual (RV) ou a Realidade Aumentada (RA) na formação é a premissa do Redvile. O projeto arrancou em 2021 pelas mãos dos investigadores António Almeida, do TEC4Industry e Ana Simões, do Centro de Engenharia de Sistemas Empresariais (CESE), que explica que a ideia primária era desenvolver uma plataforma com uma vertente comercial, capitalizando as tecnologias de aprendizagem imersiva.

“O INESC TEC entrou no projeto a convite do EIT Manufacturing com o objetivo de criar uma espécie de Marketplace de tecnologias imersivas para serem usadas em formação. Assim, através de um questionário, seria possível perceber quais as metodologias de ensino ideais e equipamentos associados, com base em informações como o orçamento disponível, target, objetivo e tempo da formação. No final, teríamos uma solução ‘chave na mão’”, refere.

Com a metodologia criada, António Coelho assumiu as rédeas do projeto para avançar com uma plataforma de recomendação.  “Nesta segunda fase, estamos a operacionalizar o que foi desenhado, apresentando as soluções imersivas mais adequadas, tendo em conta três eixos essenciais: a tecnologia, a narrativa e o desafio. A ideia é que se possam fazer recomendações com base em exemplos estudados”, refere o investigador do Centro HumanISE do INESC TEC.

O projeto Redvile faz recomendações de soluções imersivas a usar em contexto de formação, com base nas respostas a um inquérito.

 

Para Ana Simões, o Redvile poderá ter um importante impacto na amplificação das potencialidades dos ambientes imersivos na formação. “O que acontece é que formadores e professores têm ideias, mas não sabem que equipamentos usar; ou têm equipamentos e não sabem como os aplicar. Esta plataforma é capaz de traduzir objetivos e necessidades de ensino e formação em sugestões concretas para a adoção de tecnologias de RA e RV. As pessoas precisam de ver para crer”, defende.

E se não acreditam que os ambientes imersivos podem mesmo contribuir para uma experiência de formação mais inovadora, basta olhar para os exemplos desenvolvidos em parceria com a BIBA (Bremer Institut für Produktion und Logistik) e a com a TU Delft (Delft University of Technology): um piloto de RA que simula o som, a sensação térmica e até as faíscas na soldadura de peças. É uma experiência imersiva muito completa que não exige a presença de um técnico, reduz desperdícios com materiais e consumíveis e permite a avaliação da performance no momento.

Qualquer empresa pode já aceder à plataforma e usar este sistema de recomendação para planear a sua formação imersiva. “Temos trabalhado na criação de ambientes imersivos adaptados às plataformas de cada empresa. Idealmente queremos ter plataformas agnósticas que possam ser adaptadas e integradas em qualquer sistema de aprendizagem de qualquer empresa”, adianta António Coelho.

 

 

Será este o futuro da educação?

As tecnologias imersivas têm o potencial de se tornarem a abordagem principal para uma formação de alta qualidade

Os ambientes imersivos permitem uma aprendizagem mais rápida e completa, o treino de situações limite (como é o caso da aviação), e protocolos de colaboração à distância, diminuindo custos em deslocações de especialistas. O hardware associado já não é tão avultado, tratando-se, ainda assim, de um investimento que rapidamente se recupera.

As vantagens estão à vista de todos e, segundo Ana Simões, o futuro do sistema educativo poderá mesmo passar pela utilização de tecnologias imersivas. “Hoje, os miúdos vivem com telemóvel, tablets, computadores. A tecnologia é normal para eles e se a podermos usar para educar, devemos fazê-lo, sobretudo quando não é possível uma aprendizagem em ambiente real. Ainda estamos longe de isto ser uma norma, mas é urgente que haja uma alteração drástica nos métodos de ensino, a avaliar pela atual crise que se vive”.

Leonel Morgado vai mais longe: “Podemos, por imersividade, perceber muito melhor os conceitos de progressão geométrica do que apenas repetindo cem vezes contas de progressões geométricas, esperando que cada pessoa intua dessa centena de contas o padrão “mesmo pequenas diferenças de ritmo fazem a diferença”. Isto não requer menos esforço; até pode requerer mais, porque cem contas é algo que se mecaniza e a certa altura se faz sem pensar muito. Permite é atingir uma compreensão mais profunda do esforço empregue”.

Os três investigadores concordam que o alheamento total, por força da utilização de RV e RA, é uma fantasia da ficção. Normalmente, as transformações nunca são tão radicais nem os resultados das mesmas tão invariáveis. Resta-nos, por isso, continuar a percorrer esta ponte que nos leva de onde estamos para onde queremos ir[2].

 

[1] Virtual reality headsets could put children’s health at risk, The Guardian
The very real health dangers of virtual reality, CNN

[2] Tom Furness, pioneiro da realidade virtual e professor de Ciência e Engenharia Industrial na Universidade de Washington

 

 

 

 

 

 

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